Título: Tauba de tiro ao Álvaro
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/12/2005, Economia & Negócios, p. B2

A cada reunião de cúpula do Mercosul, os chefes de Estado dedicam-se a produzir um montão de espuma para compensar falta de substância. Dificilmente vai ser diferente disso nesta cúpula que começou ontem, em Montevidéu, Uruguai.

O Mercosul é mais decepção do que sucesso. Arroga-se status de união aduaneira, mas não conclui nem o estágio primário de área de livre comércio. O mínimo que se esperaria de um bloco que acaba de completar 20 anos seria garantir livre fluxo de mercadorias entre os membros. Mas a Argentina não admite nem a livre competição com produtos brasileiros de baixo conteúdo tecnológico, como linha branca, calçados, têxteis, veículos e, agora, chocolates.

E quer porque quer a adoção de mecanismo automático de salvaguardas que impeça a entrada de produtos brasileiros em seu território sempre que não agüentar a competição.

A Tarifa Externa Comum (TEC), que teria de unificar as tarifas alfandegárias sobre produtos que vêm de fora do bloco, é a "tauba de tiro ao Álvaro" do Adoniran Barbosa: "não tem mais onde furar."

Uma integração econômica e comercial pressupõe convergência de políticas macroeconômicas para que as condições de competição fiquem homogêneas. Em 20 anos, não há nem sombra disso. A Argentina, por exemplo, acaba de aplicar o maior calote histórico na sua dívida pública, não tem crédito, não atrai investimentos e, como política de controle da inflação, acaba de adotar a maluquice populista do controle de preços.

As reuniões preparatórias desta cúpula conseguiram empurrar para frente decisões sobre as salvaguardas e encaminharam soluções sobre duas questões: a abertura do processo para admissão da Venezuela como membro pleno do bloco e a instalação de um Parlamento.

Como já foi comentado aqui na quarta-feira ("A quinta estrela do Mercosul"), não está claro como a Venezuela pode ser simultaneamente membro pleno de duas uniões aduaneiras (Mercosul e Comunidade Andina). Incorporações assim levam anos para se completar. A Turquia discute há 30 anos sua entrada na União Européia.

O Parlamento do Mercosul nasce com atribuições confusas. Como não há instituições preliminares que garantam a implementação em cada país de leis que sejam aprovadas por um Legislativo supranacional, esse Parlamento terá, em princípio, só atribuições consultivas. Não passará de um organismo gastador de recursos públicos, sem importância prática.

O principal projeto de integração da infra-estrutura da região é um supergasoduto de mais de 10 mil quilômetros, que une Caracas a Buenos Aires, passando por Brasil e Uruguai, cujo custo inicial está orçado em US$ 20 bilhões. O principal ônus financeiro do empreendimento vai ficar para o Brasil ou, mais particularmente, para o patrimônio dos trabalhadores brasileiros, chamado Fundo de Assistência ao Trabalhador (FAT), a munição do BNDES.

Em 20 anos, o comércio dentro do Mercosul aumentou cinco vezes (ver gráfico), resultado que é apontado como prova de sucesso. Mas nada garante que esse avanço não tivesse sido alcançado se o bloco não existisse.

Hoje, o Mercosul mais atrapalha do que ajuda o comércio brasileiro, porque o Brasil não pode garantir acesso a outros blocos comerciais sem carregar junto os outros três sócios.

A estratégia do Mercosul consiste em juntar poder de barganha para enfrentar os países ricos, com base no velho lema dos Três Mosqueteiros (que são quatro): "Um por todos e todos por um." Daí por que o objetivo foi conquistar posições na OMC, deixando para segundo plano as negociações regionais.

O resultado dessa estratégia são as crescentes concessões comerciais à China. O Brasil teve medo de enfrentar a concorrência dos manufaturados da União Européia e dos Estados Unidos, que já não metem medo em país emergente, e por isso boicotou as negociações com a União Européia e a Alca. Agora, vai-se descobrindo cada vez mais vulnerável à competição do produto chinês, esse sim mortal à indústria do Mercosul.

20 anos vivendo e não aprendendo...