Título: Venezuela no Mercosul. Sem voto
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/12/2005, Economia & Negócios, p. B1

Acordo entre os quatro membros do bloco admite adesão política do país dirigido por Hugo Chávez antes da adesão comercial

Após um rápido processo de negociação, os chanceleres dos quatro países do Mercosul concluíram ontem o acordo de adesão da Venezuela ao bloco. O texto, que será assinado hoje, durante a 29ª Cúpula do Mercosul, traz um curioso conteúdo: a adesão política do país dirigido por Hugo Chávez será mais rápida que sua convergência para as normas do livre comércio e da união tarifária do Mercosul, que deverão ser desenhadas e apresentadas entre o final de 2006 e meados de 2007. Segundo um dos negociadores, a Venezuela estará presente, a partir de amanhã, em todas as reuniões do Mercosul, inclusive no Conselho do Mercado Comum (CMC), a instância máxima de decisões, composta pelos presidentes e ministros. Até que se conclua o processo de adesão, Chávez e seus sucessores terão voz, mas não voto. Esse foi um dos pontos defendidos pelo Paraguai, por temor de uma adesão plena incompatível com os compromissos.

Dentro de 60 dias o Mercosul deverá encaminhar a Caracas o conjunto das normas adotadas pelo bloco. Somente na primeira quinzena de maio, um grupo ad hoc (para resolver um problema específico, no caso a adesão) fará sua primeira reunião e decidirá a criação de um grupo de trabalho. A partir daí, terá de apresentar em 180 dias as fórmulas para a convergência da Venezuela às regras do bloco, em especial à Tarifa Externa Comum (TEC) e ao sistema de livre comércio. O prazo, entretanto, pode ser prorrogado por mais 180 dias.

Os chanceleres tiveram o cuidado de estudar a adesão da Venezuela de forma que as exigências sejam as mesmas para qualquer país que pleiteie o ingresso no bloco. Isso foi realizado com a regulamentação do artigo 20 do Tratado de Assunção, que prevê a expansão dos membros plenos do bloco. Um dos candidatos é a Bolívia. O Chile, que já apresentou um pedido, não iniciou as negociações porque sua estrutura tarifária era bem mais simples e menos protecionista que a do Mercosul.

O jornal portenho Ámbito Financiero afirmou na edição de ontem que o governo Kirchner, depois de ter pressionado a favor da entrada da Venezuela no Mercosul, está interessado no ingresso da Bolívia no bloco, caso o líder cocaleiro Evo Morales vença as eleições presidenciais das próximas semanas. Morales, tal como Chávez, possui afinidades políticas com Kirchner. Na semana passada, a candidatura de Morales foi respaldada enfaticamente por Lula.

O México também pleiteou uma aproximação política, mas essa hipótese foi praticamente abortada com a adesão apressada da Venezuela e pelas brigas públicas entre Chávez e o presidente do México, Vicente Fox. Em princípio, o chanceler mexicano, Luis Ernesto Derbez, pretendia ir a Montevidéu como observador, mas foi aconselhado a não embarcar.

Em outra questão polêmica, os chanceleres decidiram que o Parlamento do Mercosul começará a funcionar antes de 31 de dezembro de 2006, em duas etapas. Na primeira, até o final de 2010, cada país terá 18 deputados. Na segunda, que começará em 1º de janeiro de 2011, será aplicada uma fórmula de representatividade ainda não conhecida, que deverá ser negociada até o fim de 2007. Sabe-se apenas que, para essa etapa, os deputados deverão ser eleitos por voto universal e secreto.