Título: O golpismo vem do PT
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/12/2005, Notas e Informações, p. A3

A condenação da política econômica do governo Lula agora é oficial - no partido do presidente. A cúpula do PT partiu para o confronto aberto com o companheiro Antonio Palocci, dando uma intensidade sem precedentes ao cada vez mais impropriamente chamado fogo amigo. No sábado, um dia depois de acusar a oposição de estar "tentando fazer golpismo", Lula teve a oportunidade de ver quais são e onde estão os verdadeiros golpistas. Partindo de quem partiu - do novo Diretório Nacional petista, na sua reunião de estréia, em São Paulo -, a investida imitigada contra o solitário pilar que efetivamente sustenta a administração constitui um golpe muito mais contundente do que qualquer coisa que a oposição tenha feito para atingir o Planalto desde o estouro da crise da corrupção. Apelando ao populismo mais raso, o presidente falou em golpismo com a nítida - e temerária - intenção de se fazer passar por vítima de forças anti-sociais, perante um eleitorado crescentemente indisposto a mantê-lo no poder por mais quatro anos, a julgar pelas pesquisas de intenção de voto em 2006. Pois ele sabe perfeitamente que mesmo aqueles setores da oposição que flertaram com a possibilidade de pedir o seu impeachment desistiram da idéia.

Já o PT não está "tentando fazer golpismo": fez. E o fez mediante algo que de há muito não acontecia na agremiação em face de questões de envergadura política - uma aliança entre setores expressivos do Campo Majoritário (o "centrão" que governa a sigla desde 1995) e a esquerda derrotada na eleição interna de novembro.

O presidente petista Ricardo Berzoini, escolhido por Lula para disputar o cargo, juntou-se ao adversário de então, Valter Pomar, para produzir uma resolução que exige a redução "significativa e sustentada" das taxas de juros e das metas do superávit primário, a aceleração da execução do orçamento e, em coro com as posições públicas da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, causadoras da maior crise havida no governo, envolvendo o seu companheiro da Fazenda, recusa "em absoluto" o projeto de zerar o déficit nominal a médio prazo. As propostas são típicas do pensamento mágico pelo qual é possível comer o bolo e guardá-lo: decreta-se que a queda concomitante dos juros e do superávit é compatível com as contas do governo e o controle da inflação - e ponto final.

Mas importa menos apontar a escancarada inconsistência de disparates do gênero do que o repto que, postos no papel, representam para o presidente - além da evidência de que ele habita uma casa dividida, sobre a qual o seu domínio parece declinar não menos do que a sua popularidade entre os brasileiros. Pois, enquanto o ministro de Relações Institucionais, Jaques Wagner, disparava aflitos telefonemas de Brasília para moderar a linguagem do documento - cuja versão original era ainda mais biliosa do que o texto afinal aprovado -, outro colaborador próximo de Lula, o seu assessor para assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia, vice-presidente da sigla, só faltou pedir a cabeça de Palocci, segundo inconfidências de participantes do encontro.

A meta dos defensores do ataque frontal ao paloccismo seria a de se credenciarem, com isso, a interlocutores privilegiados do presidente no debate sobre a falada "flexibilização" da política econômica: embora eleitoralmente o PT precise mais de Lula do que o contrário, admitem, ele tampouco pode agir como se outro (ou nenhum) fosse o seu partido, ignorando as suas pretensões. No entanto, para os que se opuseram à resolução e foram voto vencido, como os aliados do senador Aloizio Mercadante e da ex-prefeita Marta Suplicy - rivais pela indicação da legenda para o governo paulista -, a emenda saiu pior do que o soneto. "Passamos a viver uma situação esquizofrênica", avalia Jilmar Tatto, do grupo de Marta. "O presidente está sofrendo uma ofensiva da oposição e o PT, pela primeira vez, faz um ataque contundente à sua política."

É improvável, embora não de todo impossível, que isso convenha a Lula se resolver adotar a política do Palocci sem o paloccismo, com medidas destinadas a criar "uma bolha de euforia pré-eleitoral", como diz o líder tucano da Câmara, Alberto Goldman. Um aumento em termos reais do salário mínimo da ordem de 10% seria um desses lances eleitoreiros. Mas, nesse caso, o golpista seria o próprio presidente - e a vítima, o interesse nacional.