Título: Se colar, colou
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/12/2005, Nacional, p. A6

Congresso pode, mas não quer, acabar de vez com a convocação extraordinária O debate anual sobre a oportunidade e a possibilidade de o Congresso ser convocado extraordinariamente no recesso seja do meio, seja do início do ano, só acontece porque deputados e senadores se fazem de desentendidos.

A discussão simplesmente não existiria se suas excelências aprovassem um dos vários projetos em tramitação no Legislativo propondo a redução do recesso de três para um mês no ano e o fim do pagamento extra em caso de necessidade de convocação no período de férias.

Isso sem falar na semana de três dias, cuja extensão ao período normal de trabalho, de segunda a sexta-feira, já contribuiria enormemente para "limpar" a pauta de votações no período ordinário - aqui entendido como "normal", sem duplo sentido.

Todo ano, à proximidade dos meses de julho e dezembro é a mesma coisa: deputados e senadores fazem de conta que estão preocupados com a reação popular e lançam ao debate a mesma questão sobre suspender ou não os trabalhos, já que nunca dá tempo de completar o serviço do ano no prazo regulamentar e a convocação extraordinária rende desgaste por conta do pagamento dobrado, instituído por eles mesmos.

Ora, se foram os parlamentares que criaram a regra, está nas mãos desses mesmos parlamentares simplesmente extingui-la. Como não o fazem, não há outra conclusão possível: não querem fazê-lo, preferem lançar o balão de ensaio, sentir o clima em volta e, se houver ambiente, convocar.

A expressão popular mais adequada à definição desse tipo de movimento resume-se a 3 palavras: "Se colar, colou."

Junto com a discussão sobre convocar ou não convocar - sempre acompanhada de um jogo de empurra entre os Poderes Legislativo e Executivo -, surgem também os éticos de ocasião a propor novos projetos para acabar com a farra.

Desnecessário o esforço, dada a variedade de propostas em tramitação. Uma delas dorme na gaveta da mesa principal da presidência da Câmara desde a gestão do agora integrante da lista de cassações João Paulo Cunha, que se comprometeu com um grupo de petistas - muitos dos quais saíram do partido para o PSOL - a pôr em votação o fim da remuneração extra e a redução do tempo de recesso.

A campanha de João Paulo pelo direito a mais um mandato na presidência da Câmara, em 2004, pôs na gaveta o projeto; depois veio Severino Cavalcanti, para quem qualquer medida saneadora não passa de demagogia, e agora de Aldo Rebelo uma palavra a respeito da possibilidade de tirar do arquivo o projeto ainda não se ouviu.

Mas, a despeito de os presidentes das Casas legislativas terem o poder - e por que não dizer, o dever - de conduzir o Congresso ao melhor curso, sem o apoio da corporação não chegam à esquina, ainda mais nestes tempos de autoridade pouca e desorganização muita.

Criada em tempos de vigilância fluida e tolerância sólida por parte da sociedade, a norma do recesso hoje não teria a menor condição de ser aprovada.

Ponto a favor da evolução dos tempos. Mas conta negativamente para deputados e senadores a insistência em se manterem indiferentes às novas demandas de fora, fazendo de conta que não podem resolver um problema de fácil, mas corporativamente desvantajosa, solução.

Acossado

A resolução do Diretório Nacional do PT de condenação à política econômica não revela novidade. Sempre houve críticas dentro do partido. A diferença é que antes elas constavam de documentos como uma forma de concessão às correntes mais à esquerda e, agora, tem a chancela da direção.

Isso enfraquece o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, mas prejudica mais ainda o presidente Luiz Inácio da Silva que, se de um lado sofre ataques da oposição à conduta ética do governo e a suas políticas sociais, de outro tem a política econômica sob bombardeio do partido, em tese, de situação.

Sobram para defender Lula na eleição de 2006 os oportunistas interessados em tomar conta do governo, na eventualidade da reeleição.

Zen-mutismo

Contrariando seu estilo, mas atendendo a seus interesses, o ex-governador Anthony Garotinho trabalha em silêncio. Não reage - em público - às investidas de seu partido contra sua candidatura à Presidência da República, não rebate manifestações de desagrado à sua presença nas prévias do partido, marcadas para março, nem explicita contrariedade com as articulações em torno do nome do presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim.

Mas, nos bastidores, movimenta-se para que diretórios regionais do partido se manifestem em favor da disputa e contra o cancelamento das prévias. Tem tempo e infra-estrutura para tal. Ao contrário dos oponentes - Jobim e Germano Rigotto, governador do Rio Grande do Sul -, não está preso a nenhum cargo e não faz outra coisa a não ser cuidar da candidatura.

Governistas e oposicionistas do PMDB podem até conseguir tirar Garotinho do jogo, mas como se dizia na gíria antiga, vão ter de rebolar.