Título: Ex-dirigente do Rural diz à CPI que empréstimos do PT eram de fachada
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/12/2005, Nacional, p. A4

Segundo Godinho, apesar de irregularidades mostrarem que objetivo era "maquiar" fontes de recursos, nada foi detectado pelo BC

O ex-superintendente do Banco Rural Carlos Roberto Godinho confirmou ontem à CPI dos Correios que os empréstimos às agências de publicidade SMPB e Grafitti, do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, eram de fachada e "foram feitos para não serem pagos". Segundo Godinho, apesar de várias irregularidades mostrarem que o objetivo era "maquiar" outras fontes de recursos que abasteciam as empresas, nada foi detectado pelo Banco Central, em inspeção realizada no Rural entre 2004 e 2005. Funcionário do Rural durante 17 anos, ele disse que se surpreendeu com o resultado da inspeção do Banco Central, porque, entre 2001 e 2002, outra fiscalização feita provocou um relatório "muito mais forte, mais contundente". Os empréstimos somaram R$ 28,8 milhões e foram feitos em fevereiro e em setembro de 2003. Marcos Valério rejeita a tese da farsa, mas já confessou que o dinheiro obtido no Banco Rural foi usado no caixa 2 que abasteceu partidos e campanhas eleitorais.

Godinho, que foi demitido em agosto último, disse aos parlamentares que em 2003 e 2004, a diretoria do banco "comemorava o caixa gordo" propiciado por investimentos de clientes como os fundos de pensão. Nos últimos quatro anos, ele foi responsável pelo setor de 'compliance' (conformidade das normas internas) do Rural, encarregado de detectar indícios de lavagem de dinheiro nas movimentações dos clientes.

Segundo ele, quatro fatores despertaram suspeitas: o Rural renovava os empréstimos a cada 90 dias sem qualquer pagamento de juro ou amortização; a movimentação das contas da SMPB e da Grafitti no banco eram era pelo menos dez vezes maior que o faturamento declarado por elas; os empréstimos era do tipo AA, que dispensa provisionamento (recursos do próprio banco que garantem inadimplências); os saques eram em valores altos, feitos muitas vezes em dinheiro vivo.

"Quantias astronômicas passavam na conta da SMPB e ninguém pagava o empréstimo, o que caracteriza que foi feito para não ser pago", denunciou. Técnico em informática, ele contou que causava ainda mais estranheza o fato de o Rural ser cliente da agência e pagar regularmente pelas campanhas publicitárias.

"Havia dinheiro na conta, mas a empresa não quitava nem parte dos empréstimos. Se isso acontecia, é porque os empréstimos mascaravam a entrada de outros recursos", disse. Godinho também afirmou que o dinheiro saía da conta de forma atípica, mas disse ignorar o esquema das listas de pessoas que sacavam dinheiro vivo.

DOCUMENTOS ALTERADOS

Godinho contou que era sua função apontar indícios de lavagem de dinheiro dos clientes em relatórios semestrais que depois ficavam à disposição do Banco Central durante cinco anos. Ele diz ter listado todas as suas suspeitas no primeiro relatório, ainda em 2003, mas que a versão final do documento foi alterada, sendo retirados os trechos referentes à SMPB.

Uma nova versão foi encaminhada ao conselho de administração do Rural. "Depois, me pediram que não incluísse mais irregularidades da SMPB. Tinha de aceitar, senão seria demitido", explicou. O ex-superintendente disse que as ordens vieram de seu superior imediato, o diretor estatutário Vinícius Camaranes. "Eles (superiores) vão modificando o relatório, até chegar ao resultado que querem", sublinhou.

Godinho disse que não tem como provar que o primeiro relatório foi modificado, pois não guardou cópia do documento original. Mas adiantou que as anomalias foram informadas também ao diretor José Roberto Salgado e à vice-presidente Ayana Tenório. Godinho está sendo processado por Salgado, por Ayana, pela presidente do Rural, Kátia Rabelo, e pelo banco. No total, pediram à Justiça indenizações que somam R$ 400 mil.

O deputado Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP), disse que, diante da gravidade das denúncias, o pedido de indenização dos dirigentes do banco tem valor muito baixo. "Parece mais intimidação", afirmou. "É claro que me senti intimidado", emendou Godinho. Quando indagado por Pannunzio se havia cumplicidade entre a cúpula do Rural, Valério e o PT, ele foi taxativo: "Com certeza".