Título: Assustando o importador
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/12/2005, Notas e Informações, p. A2

Importadores de carne e autoridades sanitárias de outros países devem assistir estupefatos ao conflito entre oMinistério da Agricultura e o governo paranaense em torno da possível presença de aftosa no Paraná. É inadmissível tratar- se uma questão sanitária tão grave - e com implicações econômicas tão importantes - como assunto de intrigas, controvérsias legais e briguinhas políticas. Em qualquer país sério, funcionários de governo reagem prontamente à mínima suspeita da doença, mobilizam recursos técnicos e procuram isolar e extirpar o problema com rapidez. Para isso, devem agir com severidade e contra toda resistência, porque o ataque a uma doença tremendamente contagiosa é imposição do interesse coletivo.

A suspeita de focos de aftosa no Paraná surgiu em 21 de outubro, pouco depois da confirmação de vários casos em Mato Grosso do Sul. Animais provenientes de áreas contaminadas teriam levado a doença ao território paranaense. Os primeiros testes deram resultado negativo, mas funcionários do Ministério da Agricultura apontaram a hipótese de fraude na seleção do material para teste.

A controvérsia prosseguiu, sem grandes manifestações oficiais, mas com ruído e intrigas suficientes para ser noticiada com destaque pelos jornais mais importantes. Mais de um mês e meio depois do início da novela, o Ministério da Agricultura anunciou novo resultado - este, aparentemente, definitivo. Segundo os novos testes concluídos pelo Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro), há um foco de aftosa numa fazenda em São Sebastião da Amoreira, no norte do Paraná.

O caso é aparentemente menos grave que o de Mato Grosso do Sul, onde cerca de 30 focos foram localizados. Até ontem, especialistas ainda especulavam sobre como os grandes importadores de carnes bovina e suína poderiam reagir.

Antes da confirmação do novo foco, a Rússia só havia embargado as compras de produtos originários de Mato Grosso do Sul. A União Européia já havia paralisado as importações também do Paraná e de São Paulo, mas suas autoridades sanitárias vinham pressionando o governo brasileiro por melhores informações sobre a aftosa.

Ao todo, cerca de 50 governos impuseram restrições à carne brasileira, desde o anúncio dos focos em Mato Grosso do Sul, em outubro. O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, tentou chegar a um entendimento com o governo paranaense, depois de concluído o novo teste pelo Lanagro. Mas a tentativa, até ontem, não havia dado certo.

O governo paranaense continuava a negar a comprovação da doença. Barreiras seriam mantidas, por precaução, mas não haveria abate de animais, segundo o vice-governador e secretário da Agricultura do Paraná, Orlando Pessuti. A resistência do governo paranaense pode desdobrar-se numa ação judicial e as autoridades federais, nos últimos dias, já se preparavam para defender a sua posição.

Desde o encontro dos primeiros focos em Mato Grosso do Sul, o Ministério da Agricultura não agiu com o rigor necessário. Diante da escandalosa falha de fiscalização evidenciada pelos primeiros casos, caberia às autoridades federais agir com rapidez e assumir a liderança do combate aos novos casos da doença. Faltou liderança federal, também, no tratamento do caso paranaense.

Não faltariam motivos ao governo central para marcar sua presença mais ostensivamente. Estava em jogo não só a imagem de um ou dois Estados exportadores de carne, mas a credibilidade do sistema nacional de controle sanitário.

Alguns poderão entender o conflito entre os governos federal e paranaense, nesse caso, como um novo capítulo de velhas diferenças políticas. O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, foi alvo, há tempos, da descortesia do governador do Paraná, Roberto Requião, num evento público. Não seria estranhável, portanto, a resistência do governo paranaense, agora, à ação das autoridades sanitárias federais.

Sejam quais forem as motivações, vem-se oferecendo aos importadores um espetáculo de intriga e confusão no tratamento de um problema delicado. Estrangeiros têm todo o direito de ficar apreensivos diante dessa deplorável exibição.