Título: Protestos podem dificultar votação
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/12/2005, Internacional, p. A15

Analistas políticos e funcionários diplomáticos em La Paz estão preocupados com possíveis ameaças à lisura das eleições de domingo. Embora não admitam dizer isso abertamente, em conversas com o Estado eles apontaram dois movimentos sociais que podem estar orquestrados para manipular o processo eleitoral. O primeiro diz respeito a uma greve de normalistas de Cochabamba, que exigem o reconhecimento oficial de seus cursos - um tema antigo e estritamente local. O segundo envolve uma disputa entre proprietários de vans de transporte público - o que no Brasil se conhece por perueiros - e donos de veículos contrabandeados e sem documentos, que o Congresso boliviano está prestes a anistiar.

Nos dois casos há impasse nas negociações. "Como são questões aparentemente locais, esses movimentos ganham pouco espaço no noticiário das agências internacionais, mas podem ter impacto siginificativo no resultado da votação", diz um diplomata estrangeiro baseado em La Paz. Os normalistas bloquearam estradas que ligam Cochabamba ao Chapare, o berço político do candidato do Movimento ao Socialismo (MAS), o líder cocaleiro Evo Morales. Caso as vias sigam interrompidas até domingo, milhares de eleitores podem ficar impedidos de chegar a seus locais de votação. Funcionários do Ministério da Educação tentavam ontem negociar uma trégua com os líderes do movimento grevista.

No caso da disputa entre perueiros, cooperativas de transporte legalizadas ameaçam entrar em greve se o Congresso aprovar a anistia para os chamados "veículos chutos". Esses veículos entram na Bolívia pela fronteira com o Chile, na região de Arica, sem nenhum tipo de documento.

"Uma máfia controla esse contrabandto", diz um jornalista boliviano. "Agora, o Congresso, em fim de mandato, pretende aprovar a lei de anistia para esses carros. Uma anistia que legaliza o contrabando não deve ser considerado algo muito raro na política boliviana. A indagação que se faz é: por que agora? Por que se esperou até as vésperas das eleições para debater este tema?" Se os perueiros de cooperativas cumprirem a promessa de ir à greve para protestar contra a anistia dos chutos e a paralisação continuar no domingo, muitos eleitores de La Paz também terão problemas de acesso às urnas. As vans, chamadas aqui de "minibuses", são a base do transporte público da cidade. A isso, acrescenta-se a possibilidade de piquetes violentos de perueiros pela cidade.

"A situação que os normalistas de Cochabamba querem mudar se estende já por mais de 20 anos. A questão dos veículos chutos também é antiga", diz outro analista. "Não é estranho que esses temas ganhem conotação (de complô político) a poucos dias da eleição."

Um funcionário da Organização dos Estados Americanos declarou que os observadores da entidade acompanham de perto os dois movimentos. Mas até agora não detectaram nenhuma violação mais grave que possa ameacar as eleições.