Título: Hepatites B e C matam mais do que aids. E não recebem atenção
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/12/2005, Vida&, p. A18

Duas comparações. As hepatites B e C contaminam sete vezes mais brasileiros do que a aids e, por isso, matam mais. No entanto, a aids tem muito mais visibilidade: recebe 13 vezes mais dinheiro do governo para campanhas educativas do que as hepatites. Duas conclusões. "As hepatites são um dos maiores problemas de saúde pública da humanidade", afirma o hepatologista Hoel Sette, do Hospital das Clínicas de São Paulo. "O governo tem no colo uma bomba viral. Se nada for feito de imediato, presenciaremos o maior genocídio da nossa história", acrescenta Carlos Varaldo, presidente do Grupo Otimismo, ONG de apoio a doentes de hepatite C.

A desvantagem das hepatites continua. O Ministério da Saúde não tem estatísticas de quantas pessoas estão infectadas. O que há são cálculos aproximados. No caso das mortes, nem isso. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 2 milhões de brasileiros sejam portadores do vírus B e outros 3 milhões, do C. Em relação ao HIV, os números do governo são exatos: 600 mil portadores do vírus e 10,9 mil mortes em 2004.

Em 2003, o ministério deu início ao mais amplo estudo sobre as hepatites A, B e C já feito no Brasil. A expectativa era de que o inquérito fosse concluído até o fim do mês. Até agora, nem metade do trabalho foi feito. Os únicos dados disponíveis são das regiões Nordeste e Centro-Oeste, onde cerca de 0,5% das pessoas entre 20 e 69 anos têm hepatite B e 1,8% têm hepatite C. A conclusão do estudo, que é domiciliar, foi empurrada para o fim do ano que vem.

A parcela dos que se tratam pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é pequena. O ministério diz que 4.500 dos 3 milhões doentes de hepatite C estão em tratamento hoje pelo SUS, mas não tem à mão informações sobre a hepatite B. De qualquer forma, o número certamente também é uma fração dos estimados 2 milhões de doentes. O Ministério da Saúde admite que não teria como arcar com os gastos se todos os doentes procurassem o SUS. Os remédios para uma pessoa podem custar R$ 45 mil por ano.

Em relação às campanhas de prevenção, o Ministério da Saúde destinou neste ano R$ 14 milhões à aids. A hepatite recebeu R$ 1 milhão, verba suficiente apenas para anúncios em rádios e em TVs educativas.

"A aids surgiu no início da década de 80 e atingiu principalmente os homossexuais, que se organizaram rapidamente. Já a hepatite C foi identificada depois e as pessoas só se organizaram no fim dos anos 90. É esse tipo de força que faz determinadas políticas públicas terem mais ou menos atenção", explica a coordenadora do Programa Nacional de Hepatites Virais, Gerusa Figueiredo.

Para mudar a situação, diz ela, uma das medidas adotadas a partir do ano que vem será a realização de exames de detecção da doença nos postos de saúde.

A DOENÇA

Os vírus da hepatite atacam o fígado, órgão responsável por funções vitais do organismo, como o metabolismo e a fabricação de proteínas, enzimas e hormônios. A hepatite A é a mais comum e o organismo reage sozinho - os números parciais do estudo do ministério apontam que mais da metade dos jovens entre 10 e 19 anos já tiveram a doença. As hepatites B e C são as mais preocupantes, pois podem evoluir para cirrose e até câncer. Os sintomas costumam demorar anos para aparecer, quando a doença já está em estado avançado.

Na semana passada, foi aprovada no Senado a Política Nacional de Prevenção às Hepatites. Se for sancionada pelo presidente Lula, o SUS será obrigado a dar à doença a mesma atenção que dá à aids, cujo programa federal é reconhecido internacionalmente. Um dos parlamentares que mais se empenharam na aprovação do projeto de lei foi o senador Eduardo Siqueira Campos (PSDB-TO). Ele conseguiu se curar da hepatite C na década passada, após quatro anos de tratamento. "É uma doença desconhecida, silenciosa e que está aumentando. Estamos dando um passo muito importante para mudar essa realidade."