Título: Países ainda tentam evitar fracasso
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/12/2005, Economia & Negócios, p. B4

O chanceler Celso Amorim reuniu-se ontem à noite com os principais negociadores de Estados Unidos, União Européia, Japão, Índia e Austrália, em busca de uma estratégia para evitar o fracasso completo da 6ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). Decidiram trabalhar em duas frentes. Vão discutir uma agenda para o desenvolvimento, destinada a beneficiar principalmente as economias pobres, e tentar alguns acordos simples e vistosos, sem esperança de resolver nesta reunião as questões mais complicadas. O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, participou da reunião.

A conferência começa hoje, oficialmente. Se o esforço der certo, os negociadores chegarão ao fim do encontro, no domingo, com alguns resultados fáceis de apresentar à opinião pública. Além disso, terão feito avançar um pouco a Rodada Doha, deixando para um próximo encontro, talvez em março ou abril, a solução das questões mais complicadas. Essa reunião vem sendo chamada Hong Kong 2, mas poderá ocorrer em qualquer cidade.

Se tudo correr bem, os ministros poderão anunciar nos próximos dias um prazo para o fim dos subsídios a exportações agrícolas. O assunto foi proposto na reunião de ontem à noite porque já existe um acordo básico sobre a eliminação daqueles subsídios. Mas o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, resiste à idéia. Segundo ele, esse compromisso terá sentido somente se houver um avanço paralelo em outros temas em negociação.

Brasil, Estados Unidos e vários países emergentes defendem um prazo de cinco anos para o fim daquelas subvenções. Se o representante europeu concordar com um prazo, comentou Celso Amorim, terá um argumento a mais para cobrar dos americanos, como resultado paralelo, a redução dos subsídios internos causadores de distorções.

A estratégia de Mandelson pode comprometer não só a conferência desta semana, mas todo o esforço da rodada. Pressionado por vários governos europeus, o comissário continuava a recusar, até ontem, qualquer melhora nas concessões em matéria de comércio agrícola. Um dia antes havia chegado a mencionar, vagamente, a disposição de negociar com maior flexibilidade, mas nenhuma de suas atitudes confirmou essa hipótese.

Se a União Européia não melhorar suas ofertas em agricultura, a rodada não levará a nenhum acordo, havia dito no começo da tarde, numa entrevista à imprensa internacional, o chanceler Celso Amorim. Também a agenda para o desenvolvimento, embora a idéia seja simpática e fácil de apresentar à opinião pública, encerra algumas dificuldades.

UM PONTO DE ACORDO

Um acordo sobre o assunto deve incluir uma ampla abertura de mercados para as economias pobres, sem cotas limitadoras e sem tarifas alfandegárias. Deve incluir também políticas especiais de ajuda, como assistência técnica para o comércio. Essas economias ficarão livres da maior parte das obrigações definidas pelos acordos comerciais.

O governo brasileiro tem adotado políticas de apoio a essas economias e está disposto a assumir novas obrigações, disse o ministro Celso Amorim, mas com certos cuidados. Por exemplo: não aceitará concessões especiais aos países pobres no comércio de têxteis. Alguns dos países candidatos a benefícios especiais, como o Paquistão, já dispõem de condições favoráveis de comércio e são altamente competitivos graças a custos muito baixos, como lembrou depois um funcionário brasileiro.

A reunião da noite confirmou pelo menos um ponto de acordo entre os principais negociadores. Nenhum espera avançar, nesta conferência, no capítulo das modalidades. Esta é palavra do jargão diplomático para designar as definições básicas de uma negociação comercial. Engloba, por exemplo, os compromissos de corte ou de eliminação de subsídios, a fixação de prazos para o alcance das metas e a combinação sobre como se reduzirão as tarifas.

Estabelecidos esses pontos, ficam faltando os detalhes. Podem ser trabalhosos, mas pelo menos as decisões básicas terão sido tomadas. Houve avanços, desde o ano passado, nas discussões de modalidades, mas insuficientes para fazer desta conferência o marco inicial da última fase da rodada.

Com ambições muito reduzidas, os ministros poderão proclamar o sucesso da conferência se conseguirem alguns acordos não muito complicados e conseguirem manter o motor das negociações em funcionamento. Na reunião de Cancún, em 2003, deixaram o motor morrer e levaram um ano para fazê-lo funcionar de novo.