Título: Diagnóstico do Bird sobre o Brasil
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/12/2005, Notas e Informações, p. A3

O estudo Clima de Investimento no Brasil, coordenado pelo economista brasileiro José Guilherme dos Reis, ex-secretário de Política Econômica no governo Fernando Henrique, para o Banco Mundial (Bird) é um repertório das mazelas estruturais que têm retardado o crescimento do País. Nada do que ali está dito é inédito. Repete, com variações de ênfase e prioridade, diagnósticos mais que conhecidos. Justamente por isso, o documento é um espinho na carne do governo que, sabendo quais são os entraves estruturais ao crescimento econômico, muito pouco fez, nesses três anos, para removê-los ou, ao menos, abrandar os seus efeitos nocivos sobre o volume de investimentos e o nível de criação de empregos. O estudo foi feito com base em questionário respondido por 1.642 empresas brasileiras e depois cotejado com as informações obtidas de um banco de dados do Banco Mundial, comparando-se, então, as condições do Brasil com as da China e Índia, concorrentes diretos por investimentos estrangeiros. Esse método, como bem salientou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, pode ter produzido algumas distorções no estudo. São sobejamente conhecidas as vantagens da China sobre o Brasil, decorrentes, principalmente, da mescla do sistema capitalista com o rigor dos controles sociais da ditadura comunista. Mas, diante do que se conhece dos hábitos da administração chinesa, não se pode aceitar sem reservas que o índice de corrupção no Brasil seja cerca de seis vezes maior do que o da China.

É preciso notar, ainda, que as pressões para a adoção de certas reformas estruturais - que são de fato necessárias - são também parte de uma agenda consagrada pelos organismos multilaterais, entre eles o Banco Mundial. Tanto assim que o autor do estudo, depois de discorrer longa e minuciosamente sobre os problemas estruturais do Brasil e a necessidade de reformas que os eliminem ou reduzam, desabafou: "Mas, se eu tivesse R$ 1 para gastar, seria nas rodovias e no setor de energia elétrica." Ou seja, as deficiências de infra-estrutura física têm maiores e mais imediatos efeitos restritivos sobre a atração de capitais e o crescimento da economia do que os entraves institucionais.

Outro viés de estudos desse tipo é a impressão que passam de que o país estudado ou fracassou ou está fadado ao insucesso. Os problemas são vistos com lente de aumento, num mesmo plano, e as soluções são apresentadas como se fossem panacéia - e com isso se perde a perspectiva que só se tem com a fixação de uma ordem de prioridades e com a análise da adaptação de cada proposta saneadora à realidade específica do país em questão.

Se há reformas por fazer - e elas são muitas e urgentes -, é também verdade que o Brasil tem uma economia dinâmica e uma sociedade coesa e inventiva. E tanto assim é que o novo presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, decidiu passar seis dias no Brasil, fazendo uma "imersão" para "começar a compreender a riqueza e a diversidade da região", porque o País "é um gigante econômico que se tornou um importante ator regional e global".

Wolfowitz afirma que o Brasil desafia o Banco Mundial a repensar o seu papel. Refere-se, é claro, aos avanços econômicos e sociais obtidos nos últimos anos. Mas o Brasil poderia ter ido mais longe se o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tivesse completado o ciclo de reformas iniciado logo no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique. Persistem gargalos que poderiam ser superados por medidas administrativas de grande simplicidade. Nada justifica, por exemplo, que a liberação das importações, no Brasil, demore em média 13,7 dias, contra 8,1 dias na China e 7,1 dias na Índia. E só a existência de uma burocracia encruada explica a demora de 8,4 dias em média para a liberação das exportações.

Questões mais complicadas são aquelas que envolvem a confiança dos agentes econômicos na Justiça - cuja lentidão é, de fato, inóspita para os negócios - e a necessidade da reforma trabalhista. O estudo patrocinado pelo Banco Mundial faz propostas, nesse particular, que podem não estar no cerne do problema. Mas o fato é que o governo promoveu estudos para a reforma trabalhista e sindical, apresentou somente um projeto para o setor sindical e até nisso recuou, como se a modernização das relações de trabalho não fosse importante para o crescimento do País.