Título: Água de morro abaixo
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/12/2005, Nacional, p. A6

Lula começa a deixar o terreno do difícil para entrar no campo do impossível Até agora, o presidente Luiz Inácio da Silva enfrenta dificuldades crescentes para se reeleger, mas, do jeito que as pesquisas mostram que a coisa vai, daqui a pouco começará a se deparar com obstáculos intransponíveis.

E não por causa do PIB ou das críticas à política econômica; a pesquisa CNI/Ibope indica que apenas 1% das pessoas leva em conta o noticiário econômico para formar juízo sobre a eficiência do governo e a confiabilidade do presidente como condutor de um projeto de país.

As agruras de Lula localizam-se no terreno genericamente definido como político, onde entram fatores como eficácia administrativa - todas as áreas registraram desaprovação superior à aprovação -, conduta ética e desempenho pessoal do presidente.

Para que a economia fosse determinante na eleição, só se fosse numa situação impactante, com efeitos bastante objetivos sobre a vida do cidadão, como foi a queda da inflação que elegeu Fernando Henrique em 1994 e 1998.

Hoje a estabilidade econômica já está absorvida como valor da sociedade e não serão números pontuais a respeito deste ou daquele setor que terão o condão de provocar uma virada na sensação geral de desagrado.

Nem o PSDB poderá usar o discurso da economia ou a autoria do Plano Real para mobilizar o eleitor. A disputa, portanto, dar-se-á no campo eminentemente político, ai entendido como aquele conjunto de fatores que formam as "ondas" contra ou a favor deste ou daquele candidato.

Em 2002, o eleitorado estava farto dos tucanos; até reconhecia o mérito do combate à inflação e a restauração da moeda nacional ao rol dos valores consistentes.

Mas queria outro tipo de serviço e, isso o governo do PT, vai ficando patente, não forneceu. Como convencer o País de que fornecerá, mediante a renovação do mandato de Lula por mais quatro anos, é a questão a resolver.

Por isso mesmo, o grande capital da oposição, no momento, não são nem os altos índices de intenção de voto no prefeito José Serra, apontado como vencedor no primeiro e no segundo turnos. A vantagem dos opositores de Lula é que têm o vento a favor.

O presidente se depara com cenário oposto: nada o ajuda - partido, governo, alianças, equipe, argumentos para pedir um segundo mandato, expectativa de melhora, perspectiva de planos para uma guinada -, tudo o atrapalha, começando pela própria resistência à autocrítica potencialmente salvadora.

Lula trabalha, a tendência constante de queda confirma, com o vento contra. Para se recuperar, precisará remar contra a maré, acertar muito e de maneira convincente. À oposição, aos dados de hoje, basta não errar.

Água de morro abaixo, fogo de morro acima, ensina o ditado, são movimentos difíceis de segurar.

A economia, a não ser em situações extremas, não mobiliza emoções, Lula perde em todas as regiões do País - à exceção do Nordeste, onde a vantagem se limita a 3 pontos porcentuais -, está em desvantagem no interior, nas periferias e apresenta decréscimo de apoio justamente naquela que se imaginava a sua gente mais fiel: os da base da pirâmide com renda de até dois salários mínimos.

Se o assistencialismo não contagia, a correção na economia não comove, os discursos quase diários de autodefesa não movem os índices para cima, o que terá Lula de fazer para inverter a tendência descendente?

Uma tarefa que não depende de vontade, dada a obviedade de ser o presidente o maior interessado no acerto. Lula, como qualquer outro governante submetido ao regime de voto livre e universal, quer acertar.

O problema é que ele não dá sinais de saber como fazer para ir além do Lula-lá.

Dos adversários

As pesquisas são generosas para José Serra, isso é um fato. É verdade também que o prefeito de São Paulo vem crescendo desde as primeiras consultas, quando aparecia com cerca de 20%; hoje tem 48%.

Isso, no entanto, não faz dele o único capaz de derrotar Lula, pois o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, saiu do dígito único, lá atrás, para 37% na simulação de segundo turno e, em virtude de seu pouco conhecimento em âmbito nacional, ainda pode crescer.

A disputa no PSDB deve ficar mesmo entre os dois, embora o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diga no partido que "qualquer um dos quatro" tucanos - considerando Aécio Neves e o próprio FH - poderia derrotar Lula.

Mas Fernando Henrique está fora - prefere as reverências de ex - e o governador de Minas já tem 29% e Anthony Garotinho 33%, mostrando migração do eleitorado para candidatos diversos, menos para Lula.

E por que, então, a disputa tende a ficar entre Serra e Alckmin? Porque Aécio Neves só se arriscaria a desagregar seu esquema político no Estado, deixando de lado a reeleição, numa improvável situação de guerra de extermínio entre Serra e Alckmin.

E Garotinho, se não for vítima das ações que correm contra ele na Justiça, padecerá ante a "justiça" do PMDB, implacável em sua vocação para aderir.