Título: Iraque tem hoje eleição histórica
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/12/2005, Internacional, p. A16

As medidas de segurança foram reforçadas ontem em todo o Iraque, na véspera das históricas eleições parlamentares. Cerca de 15 milhões de eleitores foram convocados para eleger os 275 membros do novo Parlamento para um mandato de quatro anos. Ao todo, são 7.648 candidatos de 231 partidos. Depois do anúncio dos eleitos, o que deverá levar vários dias, o presidente pedirá ao maior bloco no Parlamento que proponha um primeiro-ministro. O enviado especial da ONU, Ashraf Jehangir Qazi, disse estar satisfeito com os preparativos para as eleições, que ele descreveu como "um dos eventos mais importantes da vida do povo iraquiano", que permitirá ao país "abrir um novo capítulo em sua história".

Esta é a terceira vez neste ano que os iraquianos vão às urnas: a primeira vez foi em janeiro para escolher o governo interino e a segunda em outubro, para votar no referendo sobre a nova Constituição. Segundo a nova Carta, 25% das cadeiras deverão ser preenchidas por mulheres.

A calma foi rompida ontem por rumores de que o suprimento de água de Bagdá teria sido envenenado - prontamente desmentidos pelo governo -, ataques esporádicos no norte do país e uma manifestação de milhares de árabes xiitas furiosos pelas declarações depreciativas sobre seu líder religioso, o aiatolá Ali al-Sistani, feitas na véspera na TV Al-Jazira pelo político xiita Fadel al-Rubaei, que vive no exílio.

A manifestação ameaçou polarizar ainda mais as eleições depois que os xiitas na cidade de Nassíria incendiaram o prédio onde fica o escritório do ex-primeiro-ministro Ayad Allawi. Xiita secular, Allawi tem defendido em sua campanha a reconciliação nacional. O escritório do Partido Comunista, que faz parte da mesma lista de Allawi, também foi incendiado.

A Al-Qaeda no Iraque, do jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, ameaçou pela internet perturbar as eleições que ela chamou de "um casamento democrático do ateísmo e a fornicação". No entanto, o grupo não fez sua tradicional ameaça de atentados suicidas.

O presidente iraquiano, Jalal Talabani, descreveu as eleições de hoje como "uma celebração nacional, um dia de unidade nacional e de vitória sobre os terroristas e os que se opõem à nossa marcha rumo à democracia".

Talabani disse que um alto comparecimento dos eleitores dará ao novo governo a legitimidade necessária para combater a insurgência e permitirá a total formação das Forças Armadas iraquianas e a saída das forças estrangeiras do Iraque.

Ainda ontem, a Comissão Eleitoral disse que um caminhão que teria sido confiscado perto da fronteira com o Irã repleto de cédulas eleitorais estava a serviço da entidade e levava as cédulas a centros de votação. A comissão desmentiu a informação de as cédulas eram falsas e estavam sendo trazidas do Irã.

Mais de mil líderes religiosos sunitas divulgaram esta semana um decreto instruindo todos seus seguidores a participar das eleições de hoje, o que aumentou as esperanças do governo americano de que o pleito funcione como estímulo para a minoria sunita abandonar a insurgência.

Os religiosos esperam que uma grande participação dos sunitas nas eleições reduza as possibilidades de a maioria xiita abusar deles.

Muitos sunitas, que estavam no poder durante o deposto regime de Saddam Hussein, boicotaram as eleições de janeiro, levando seus rivais xiitas e curdos a conquistarem a maioria das cadeiras na Assembléia Nacional provisória - algo que intensificou as tensões étnicas e a insurgência no país.

Seis grupos rebeldes prometeram não atacar os centros de votação, mas disseram que vão prosseguir com sua guerra contra as forças de coalizão lideradas pelos Estados Unidos. Nas eleições de 30 de janeiro, os insurgentes mataram cerca de 40 pessoas pessoas em atentados a bomba e ataques a tiros.

Em meio às intensas medidas de segurança adotadas - como o fechamento das fronteiras e o aumento do policiamento - muitos iraquianos estavam otimistas sobre as eleições, que completarão o projeto dos EUA de criar estruturas democráticas no Iraque. "Sabemos que poderá haver atentados, mas não estamos preocupados, pois todos estão votando", disse Amin Ali Hussein, um soldado de 22 anos que estava em um posto de controle de Bagdá.

Muitos árabes sunitas, que representam 20% da população, parecem dispostos a votar. Se os sunitas encerrarem seu boicote, a ida às urnas poderá chegar a 70%, muito mais que os 58% de janeiro, disse o vice-presidente Adel Abdel Mehdi.

Tarek al-Hashemi, líder da Frente da Concórdia Iraquiana, acredita que seu bloco sunita ganhará pelo menos 50 cadeiras do Parlamento, um grande aumento em relação às 17 ocupadas atualmente pelos sunitas.