Título: Sonho de Lula de acabar com filas fica na promessa
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/12/2005, Nacional, p. A14

Programa que poderia extinguir espera no INSS está com cronograma atrasado

O sonho do presidente Lula - acabar com as filas do INSS e colocar o tema na vitrina da campanha de reeleição - vai virar pó. Ao anunciar o fim das filas, Lula se fiou na eficácia do Projeto de Gestão do Atendimento (PGA), já implantado em cinco agências do INSS em São Paulo e que agora será aplicado às 100 maiores agências. Mas especialistas e o próprio ministro Nelson Machado reconhecem que o PGA não passa de um paliativo que, no máximo, melhora um pouco o atendimento. Mas internamente, o PGA tem sucesso garantido. "Vai ser uma grande farra de viagens e diárias", adianta Orlando Cattini Júnior, professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. De fato, o programa - um treinamento de boas maneiras para o pessoal da linha de frente do atendimento - será implantado por 600 funcionários do INSS, que durante meses terão o salário engordado por diárias e viajarão pelo Brasil, a um custo total de R$ 26 milhões.

Segundo os especialistas, o PGA é um programa que só prevê o treinamento de funcionários; não moderniza equipamentos, não atualiza os sistemas - o problema crucial do INSS - nem adapta os funcionários a novos processos. "A fila é o que mais aparece, mas o problema maior da previdência não são filas, mas o processamento das demandas", diz o ex-ministro da Previdência José Cecchin.

Cecchin aponta a falta de continuidade no governo Lula, que ao fim do terceiro ano está no quarto ministro, com outros tantos presidentes do INSS. "Em oito anos de governo Fernando Henrique, tivemos três presidentes do INSS e, no ministério, eu fui secretário executivo todo o tempo", lembra ele. Cattini também destaca a descontinuidade como origem de boa parte dos males atuais. "Os funcionários fazem greve para exigir direitos que outro prometeu", observa.

Se Lula quisesse mesmo reduzir filas, teria sido melhor agilizar a implantação do Programa de Modernização da Previdência Social (Propev), que é muito mais abrangente e tem financiamento do BID. Ao fim do governo FHC, Cecchin deixou em andamento a fase de revisão dos processos de trabalho. Pelo cronograma, a fase posterior, as licitações para contratação das fábricas de softwares, estava prevista para fins de 2003, mas só sairá agora, com mais de dois anos de atraso.

NA SUPERFÍCIE

O programa que iludiu o presidente tem o seu mais grave defeito no caráter volátil, diz Cecchin. Para ele, a inoperância dos processos antiquados logo anulam as boas maneiras dos funcionários treinados. A promessa de Lula não se cumprirá porque o PGA fica na superfície: cuida dos funcionários e não mexe na estrutura de sistemas. E, ao ser aplicado por funcionários cuja cultura foi moldada pela estrutura viciada do INSS, não oxigena as idéias que podem modernizar a estrutura.

Mas não é só. O emprego do PGA tem indícios de intenção eleitoreira, pois a sua cronologia foi alinhada de forma a gerar resultados nos primeiros meses de 2006, quando estará começando a campanha de 2006. O palpite errado de Lula reforça a suspeita de que se pretendeu incluir a solução de um tema tão sensível no cardápio da reeleição. Tiro n'água: no máximo, o PGA vai proporcionar algumas melhorias que logo se desfarão, à medida que os funcionários forem vencidos pela rotina das velharias.