Título: A auto-suficiência e o populismo
Autor: Adriano Pires e Rafael Schechtman
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/12/2005, Economia & Negócios, p. B2
Em 2006, o Brasil comemorará a tão sonhada auto-suficiência no abastecimento de petróleo. Se por um lado essa conquista blindará o País contra crises de oferta e de elevações abruptas dos preços internacionais do produto, como as que ocorreram em 1973 e 1979, por outro a auto-suficiência pode servir como justificativa para o governo adotar práticas populistas na política de preços dos derivados, em particular, da gasolina, do diesel e do GLP, cujos aumentos afetam diretamente uma grande massa de eleitores. O risco da adoção desse tipo de política aumenta à medida que haverá eleição presidencial no Brasil em 2006. A auto-suficiência de petróleo, anteriormente prevista para ocorrer após 2010, foi antecipada por causa de dois fatores. O primeiro, e mais óbvio, foi o crescimento da produção, especialmente depois da abertura do mercado trazida pela Lei nº 9.478, promulgada em 1997. Naquele ano, a produção diária era de 838 mil barris e em 2006 atingirá 1,8 milhão de barris. E por que ocorreu esse salto na produção de petróleo? Porque no governo FHC a Petrobrás passou a ter uma gestão menos política e mais empresarial que trouxe credibilidade à empresa. Isso se traduziu, por exemplo, no sucesso da abertura do capital da empresa pela venda das suas ações com a utilização do FGTS, nas parcerias estabelecidas com outras petroleiras e na captação de recursos nos mercados de capitais do exterior, com destaque para as ADRs na Bolsa de Nova York. Os bons resultados da empresa e a sua governança corporativa fizeram com que a Petrobrás se tornasse a primeira empresa brasileira a conquistar o chamado grau de investimento (investiment grade), que a permite obter empréstimos no exterior em condições mais favoráveis. Tudo isso demonstra que a Petrobrás é talvez uma das poucas estatais no mundo, e, com certeza, a única na América Latina, que não era utilizada para sustentar políticas de cunho populista. O segundo fator que explica a antecipação da auto-suficiência é o fraco desempenho da economia brasileira no início desta década. Enquanto o consumo de derivados cresceu a uma taxa média anual de 4,9% nos anos 90, ocorreu uma queda anual de quase 1% no período de 2000 a 2004. Caso o crescimento do consumo de derivados mantivesse o patamar dos anos 90, a auto-suficiência só viria após 2010. Uma vez atingida a auto-suficiência, é importante o País utilizar esta conquista da melhor forma possível. Nesse sentido, é preocupante a recente declaração do presidente da Petrobrás de que a auto-suficiência poderia ser usada para praticar políticas de preços de derivados de petróleo desconectados do mercado internacional. Mesmo com o desmentido oficial da empresa, por meio de uma reinterpretação da declaração do seu presidente, sabe-se que este é um pensamento corrente de importantes membros do governo petista. As conseqüências de uma política populista de preços serão nefastas para a empresa e para o País. Primeiro, haverá uma queda no nível de investimento da empresa, numa atividade cujos custos marginais são crescentes, que, aliado ao afastamento dos atuais e de novos investidores em toda a cadeia da indústria do petróleo, trará o risco de tornar o País novamente importador de petróleo. Outra conseqüência será a de prejudicar ou até inviabilizar a produção de combustíveis renováveis, como o álcool e o recém-criado biodiesel. Sem contar com as perdas que terão os acionistas da Petrobrás no Brasil e no exterior. É bom lembrar o que ocorreu na Argentina graças à adoção de políticas populistas de preços de energia. O país passou de exportador para importador de gás natural e vive o risco iminente de um apagão de eletricidade. Cabe ainda chamar a atenção de que não existe nenhum país desenvolvido que adote prática de populismo nos preços de derivados de petróleo. A auto-suficiência deve ter como objetivo aumentar a rentabilidade da Petrobrás, que com isso beneficiaria os acionistas. Uma empresa estatal num governo moderno não deve se prestar à prática de populismo por intermédio de uma política de preços abaixo do custo de oportunidade. Como qualquer empresa, deve maximizar o lucro aos seus acionistas, que, no caso de uma estatal, é a sociedade como um todo. Cabe ao governo direcionar esse lucro para fomentar políticas sociais que beneficiem os menos favorecidos. Preços abaixo do mercado internacional reduzem o potencial de lucro da Petrobrás e privilegiam principalmente os consumidores dos derivados e políticos que correm atrás do voto fácil.