Título: A nova Lei de Falências
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2004, Editoriais, p. A-3

Omais importante na nova Lei de Falências, cujo projeto tramitou 11 anos no Congresso Nacional, substitui uma legislação vetusta de quase 60 anos e vai à sanção presidencial acoplada a adaptações a ela feitas no Código Tributário Nacional, é uma mudança radical de conceito, que privilegia a recuperação da empresa em dificuldade e não seu contraproducente fatiamento, em favor de credores ¿ pois, na prática, este processo jamais significou solução satisfatória para qualquer das partes envolvidas. Ao atentar mais para a necessidade de a empresa insolvente manter-se produtiva, preservando seus empregos e em condições de satisfazer o direito de cobrança de seus credores, a nova lei falimentar deixa de se concentrar apenas na solução última ¿ a falência, propriamente dita ¿ que sempre representou um retalhamento precipitado de ativos de empresas inadimplentes, tirando-lhes por completo a possibilidade de sobrevivência, mesmo se inseridas em um mercado potencialmente favorável. Por outro lado, a nova legislação acaba com a famigerada ¿indústria da concordata¿, que o que mais fez, nesta meia dúzia de décadas, foi ludibriar credores. A concordata é substituída por dois mecanismos de recuperação: o extrajudicial, em que o empresário insolvente apresenta a seus credores ¿ exceto empregados e Fisco ¿ proposta de recuperação homologada judicialmente, e o judicial, em que é negociado um plano de recuperação com todos os credores, inclusive trabalhadores e Fisco, por um prazo de 180 dias, ao fim dos quais, não havendo acordo, será decretada a falência. Para o processo de recuperação da empresa podem ser previstas condições especiais de pagamento, cisão, incorporação, fusão, transformação de sociedade, constituição de subsidiária, cessão de cotas de ações, substituição de administradores, aumento de capital social, arrendamento, formação de cooperativas de empregados e outros mecanismos que assegurem sua capacidade de produzir. A área econômica do governo e certos setores jurídicos têm enfatizado muito a importância da nova lei na diminuição das taxas de juros, o que não deixa de ser uma possibilidade, visto que fortalecendo seu (já grande) privilégio na execução de inadimplentes ¿ por deterem garantias reais ¿ as instituições financeiras poderão reduzir seus spreads nos empréstimos. Observe-se que a nova lei estabelece a prevalência de pagamento, feito pelas empresas em situação falimentar, das dívidas contraídas com os bancos ¿ com garantias reais ¿ antes da liquidação dos débitos fiscais e mesmo trabalhistas, já que estes têm preferência apenas dentro do limite de 150 salários mínimos. Há que se considerar, no entanto, que a composição dos spreads, que têm aumentado muito desproporcionalmente em relação aos aumentos da Taxa Selic ¿ e é essa desproporção que gera os juros estratosféricos que sufocam a atividade produtiva ¿, tem outros elementos além da taxa de risco dos empréstimos, em razão da inadimplência. De qualquer forma, apesar de ser discutível a limitação de pagamento de créditos provenientes do esforço do trabalho ¿ por que 150 salários? ¿ e da condição ainda mais privilegiada que passam a usufruir os credores pertencentes às instituições financeiras, se comparados aos quirografários e a tantos que integram os setores produtivos (da indústria, do comércio e dos serviços), a nova lei significa o estabelecimento da racionalidade, da clareza de procedimentos, do impedimento da dilapidação patrimonial e, em conseqüência, da efetiva possibilidade de recuperação de uma empresa insolvente e em estado falimentar. É evidente que essa mudança legislativa haverá de ter um positivo reflexo em toda a economia ¿ independentemente da influência direta sobre os spreads ¿, o que justifica toda a satisfação do ministro Palocci, e demais integrantes da área econômica do governo, ante sua aprovação final no Congresso Nacional. Há que se reconhecer, também, que aí o Planalto obteve uma indiscutível vitória política, em meio aos impasses internos de um de seus maiores aliados ¿ o que comprova que a governabilidade não depende mais de alianças partidárias oficiais ou explícitas.