Título: Arquivos achados também no Ceará
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2004, Nacional, p. A7

Documentos do tempo da ditadura separava alunos por 'uso de maconha, subversão, ligação com organizações e homossexualismo'

Carmen Pompeu

FORTALEZA - Documentos da época da ditadura militar com carimbos de confidencial e reservado foram encontrados no início do ano por um professor de uma escola pública na região metropolitana de Fortaleza. Os papéis, a maioria dos anos 70 e início dos 80, estavam dentro de caixas de livros que foram doados para a biblioteca da escola. Eles foram entregues ainda no início do ano ao presidente da Associação 64/68 - Anistia, Mário Albuquerque, que só agora, com a polêmica sobre a abertura dos arquivos da ditadura, percebeu sua importância. A entidade atua no Ceará orientando pedidos de indenização de perseguidos políticos e organiza a memória do período.

Um documento é de 10 de setembro de 1973. Assinado pelo então comandante militar do Planalto, general Olavo Vianna Moog, e intitulado "Infiltrações subversivas no meio universitário de Brasília", relata a prisão de 33 "elementos", estudantes da Universidade de Brasília, e cita 140 cujos nomes foram obtidos nos depoimentos dos detidos. Uma pessoa citada nos depoimentos é a hoje jornalista da Globo Miriam Leitão.

"Miriam escreveu-lhe de Vitória relatando os trabalhos que lá estavam sendo realizados no movimento estudantil e a organização da regional do PC do B, que acabou sendo desbaratada em fins do ano passado, com a prisão dela e outros", diz o documento. Em entrevista ao jornal cearense O Povo publicada na edição de ontem, Miriam Leitão confirma que militava no PC do B e foi presa em 1972.

No relatório há o quadro com os cursos de cada aluno e o motivo alegado para a prisão, que poderia ser "uso de maconha", "subversão", "ligação com organizações" e até "pederastia". "E tudo isso acontece embora esteja o governo ciente da ação do MCI (Movimento Comunista Internacional) quanto à utilização dos tóxicos no meio estudantil para degradar a juventude e favorecer a subversão e ainda que os órgãos encarregados da segurança interna já tenham recebido instruções e informações sobre o problema que por suas implicações é considerado da máxima importância para a segurança nacional", conclui o texto.

PARTIDOS

Outro documento, intitulado "Relatório periódico de informação", do Centro de Informações da Polícia Federal, é de período mais recente: 1982. Ele examina a atuação de organizações tidas como "subversivas". O Partido Comunista Brasileiro é avaliado Estado por Estado. O PMDB também é acompanhado e o PDT de Leonel Brizola é tido como o "que dispõe de uma das bases mais radicais de todos os partidos oficiais". O texto fala ainda de visita feita por Luiz Carlos Prestes ao Rio Grande do Sul. E do indiciamento de dois estudantes universitários com base na Lei de Segurança Nacional por hastearem uma bandeira do PCB em Curitiba, em março de 1982.

O achado, na opinião de Albuquerque, prova que há muita documentação do regime militar em mãos de particulares. Ele, que militou no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e foi torturado no Recife em 1971, sugere que os governos federal e estaduais organizem equipes para recolher esse material.