Título: Brasil já é o celeiro do mundo
Autor: Larry Rohter
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2004, ECONOMIA & NEGÓCIOS, p. B-4

Segundo o N.Y.Times, políticas econômicas amigáveis ao mercado e avanços tecnológicos aumentam produção brasileira

Quase da noite para o dia, a América do Sul conduziu o mundo a uma reviravolta histórica na produção de alimentos que converte a região central do continente, em grande parte intocado, no mais novo celeiro do mundo. Umdos últimos lugares na Terra onde ainda existem grandes trechos disponíveis para agricultura, a região, liderada pelo Brasil, teve umaexplosão de exportações agrícolas na última década. O crescimento é alimentado por umacombinação de políticas econômicas amigáveis ao mercado e avanços na agronomia, que levaram terras tropicais, antes sem uso, a níveis de produtividade superiores aos da Europa e dos Estados Unidos, desafiando a supremacia deles no comércio agrícola global. Em algum momento da próximadécada, o Brasil, que o secretário de Estado, Colin L. Powell, descreveu como ¿uma superpotência agrícola¿, espera ultrapassar os Estados Unidos como o maior produtor agrícola mundial. Masa tendência émuito mais ampla e pode ser sentida em regiões da Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai, com um profundo impacto sobre a economia e o meio ambiente da região. ¿Está havendo uma revolução silenciosa no campo¿ desde a década de 1990, disse o ministro da Agricultura do Brasil, Roberto Rodrigues. Particularmente, os 4 ou 5 últimos anos, disse ele, são ¿caracterizados por um crescimento espetacular e um imenso aumento na demanda¿ do exterior por alimentos, o que tem dado ao Brasil ¿a capacidade de competir com qualquer um¿. O impacto global é poderoso. Emjunho, os Estados Unidos importaram mais produtos agrícolas do que venderam para o exterior, um indício da sua posição decadente. Alerta ao desafio, a Farm Bureau Federation (Federação do Departamento de Agricultura) de Iowa, chegou a fazer umaapresentação para seus associados chamada ¿Should Brazil Give YouHeartburn (Será que o Brasil vai lhe dar Azia?¿ A resposta é um sim não muito confidencial. A competição é personificada por produtores como Otaviano Pivetta, de 45 anos, e Helmute Lawish, de 39 anos. Há menos de 20 anos, os dois se revezaram dirigindo 2.400 quilômetros em estradas, na sua maioria de sacolejar os ossos, indo da residência deles, no Estado do extremo sul do Brasil, para demarcarumpedaço nesta região, selva em sua maior parte na época, carente de eletricidade, saneamento básico e outros serviços de utilidade pública. Vendo a coisa em retrospectiva, fica claro que eles foram a vanguarda de uma transformação na agricultura global. Hoje em dia, extensões de terras cultiváveis se estendem até o horizonte. Com clima que varia muito pouco o ano inteiro, não é incomum haver duas ou até três colheitas por ano. As colheitadeiras limpam o campos com agricultores semeando grãos na esteira da máquina. Os dois homens estão agora entre os mais bem-sucedidos produtores da região. Pivetta já foi eleito duas vezes prefeito de Lucas do RioVerde. Cada um deles cultivamais de 40 mil hectares de terra, embarcando soja, algodão e carne de porco a mercados tão distantes quanto China, Rússia e Paquistão. Com a estação de plantio da primavera do Hemisfério Sul agora encerrada, os dois fazendeiros e dezenas de outros do Estado do Mato Grosso aguardam agora mais um ano de colheitas fartas. ¿Com ótimo clima e solo fértil que temos aqui, não consigo imaginar nenhum outro lugar que tenha a produtividade que temos¿, disse Pivetta, cuja família agora administra meia dúzia de fazendas no Mato Grosso. ¿Nem no Brasil nem em nenhum outro lugar do mundo se encontram duas colheitas por ano que rendem 3 toneladas de grão por 0,40 hectare (4.046 metros quadrados).¿ OS CUSTOS O surto de crescimento imobiliário não acontece sem tensões sociais e outros efeitos, particularmente para o meio ambiente, à medida que a expansão da agricultura e das terras para pasto aceleram o desflorestamento da Amazônia. A selva é derrubada para conversão primeiro em campo de pastagem para o gado e depois, à medida que avançam as fronteiras agrícolas, em campos para plantio de soja e outros cultivos. Mas, os produtores do cerrado, que fica amais de 1.600 quilômetros da costa, dizem estar mais preocupados com a falta de rodovias, ferrovias e vias fluviais confiáveis, o que aumenta o custa do negócio. A situação, dizem os agricultores, melhora gradualmente, assim como a capacidade de o Brasil suportar os altos e baixos dos mercados agrícolas. Após quase uma década de elevação nos preços e lucros recorde, os preços da soja, por exemplo, caíram bruscamente este ano, resultado em parte da decisão de frear as importações e cancelar contratos existentes por parte da China, país onde surge um enorme e novo mercado, com uma classe média. No passado, quando a agricultura brasileira dependia de umúnico cultivo, isso significaria desastre certo. Mas o Brasil fez um esforço vitorioso para diversificar as exportações e reduziu a vulnerabilidade a súbitas flutuações de preço de umúnico cultivo. Na década de 1960, por exemplo, o café era responsável por60%das exportações brasileiras. Agora, ocupa o 7.º lugar na lista.Como resultado, a tendência hoje entre os produtores agrícolas brasileiros é diversificar ainda mais. ¿Entramos numa fase na qual não apenas vamos plantar coisas, mas processá-las também, transformando- as em produtos acabados¿, disse Eledir Pedro Techio, diretor da cooperativa de crédito local e produtor de soja emilho. É evidente que mais ganhos na produção ainda estão por vir, graças à expansão da fronteiras agrícolas e dos maiores rendimentos. Autoridades governamentais calculam que mais 50 milhões de acres (20 milhões de hectares), grande parte deles potencialmente tão férteis quanto a terra cultivada agora, provavelmente começarão a produzir no decorrer da próxima década. ¿Não há como dar errado aqui¿, disse Lawisch. ¿Já somos campeões de produtividade, mas acho que podemos fazer ainda melhor. Almejamos não apenas alimentar o Brasil, mas também o mundo.¿