Título: Tragédias previsíveis
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2004, Notas & Informações, p. A3

Ninguém de boa-fé pode se surpreender toda vez que a ação contínua do Movimento dos Sem-Terra (MST), impregnada de violência de variada forma - da invasão de fazendas produtivas ao vandalismo praticado contra suas sedes, da matança de animais à manutenção de empregados em cárcere privado, da ocupação de rodovias, impedindo a liberdade de trânsito das pessoas, aos saques e depredações de cabines de pedágio, do desrespeito aos mandados judiciais de reintegração de posse aos saques de cargas de caminhões, etc. -, provoca uma reação igualmente violenta, por parte dos que não vêem no Poder Público condições de garantir sua propriedade, sua integridade física e demais direitos que a lei lhes assegura. Assim, a tragédia que tem significado o assassinato de sem-terra, como o dos três integrantes do MST mortos em Passira, Pernambuco, é algo tão lamentável quanto previsível. Trata-se de uma guerra efetivamente desencadeada, que tem como incentivo maior, de ambos os lados, o pleno sentimento de impunidade.

Terá surtido algum efeito o anúncio, feito pelo secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda - por ocasião do enterro dos três sem-terra em Passira -, de que a Polícia Federal poderá assumir as investigações caso a estadual não deslinde o caso com eficiência? Disse o secretário: "Para que isso (a violência) não aconteça, os movimentos sociais devem ter certeza de que os crimes não ficarão impunes." É verdade, mas aí não devem ser considerados apenas os crimes dos inimigos (ou vítimas) dos "movimentos sociais", como parece pretender o secretário dos Direitos Humanos, mas também os praticados pelos próprios integrantes (e líderes) do MST e assemelhados. Disse mais o secretário: "Não pode haver dúvida com relação à atuação do Estado, dos governos federal e estadual. Não se pode fazer justiça com as próprias mãos. As milícias armadas constituem crime e como tal devem ser combatidas."

Ora, o que mais tem ocorrido é muita "dúvida com relação à atuação do Estado, dos governos federal e estadual", no que diz respeito à violência no campo. Pois, quase no mesmo momento em que o secretário de Direitos Humanos dizia que "não se pode fazer justiça com as próprias mãos", um bando de 600 sem-terra cumpria a ameaça de vingança contra a Fazenda Recreio - onde estavam acampados os irmãos assassinados Francisco Manoel de Lima e Edílson Rufino da Rocha - derrubando cercas, ateando fogo em três casas, matando animal e levando empregados a fugir às pressas, apavorados.

Uma outra boa demonstração de que os integrantes do MST "não estão nem aí" com a possibilidade de o Poder Público solucionar conflitos - pela via judicial - ou garantir a segurança - pela via policial - nos conflitos do campo vem de Mosqueiro, um distrito a 54 quilômetros de Belém do Pará. Lá também tem havido tiroteios e brigas de morte internas do movimento dos sem-terra, pelo fato de os líderes exigirem a titulação de terras dos assentados não em seus nomes particulares, mas nos das associações ligadas ao próprio movimento.

E, a propósito das associações, que fazem a movimentação dos recursos de uma entidade sem existência legal, como MST, parece haver um esforço do governo federal e de suas lideranças no Congresso para que se mantenha indecifrável sua "caixa-preta" financeira. Efetivamente, como ainda não foram examinadas, na CPI da Terra, as movimentações bancárias de duas entidades que "representam" o MST - a saber, a Anca e a Concrab -, a oposição obteve assinaturas para prorrogar os trabalhos da CPI por mais um ano, tantos têm sido os indícios de desvios de recursos. Imediatamente, porém, houve a tentativa de encerrar-se já aqueles trabalhos, por meio da retirada de assinaturas em favor da prorrogação, comandada pelos deputados petistas Eduardo Greenhalgh e João Alfredo, que não vingou, graças à reação oposicionista, mas mesmo assim conseguiu reduzir o prazo da prorrogação de um ano para seis meses, graças à intervenção de outro aliado do Planalto, o presidente do Senado, José Sarney.

A impunidade das lideranças do MST, como se vê, vale também para a locupletação com dinheiro público, e não apenas para o assalto à propriedade privada.

Enquanto os chamados "movimentos sociais" permanecerem à margem da lei e de quaisquer controles, dos Poderes de Estado e da própria sociedade, haveremos de presenciar, por partes de bandos em permanente guerra, o suceder de lamentáveis, mas previsíveis tragédias.