Título: Guerra dos orçamentos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2004, Notas & Informações, p. A3

Ao apoiar a modificação da proposta de orçamento municipal para 2005, reduzindo o índice de remanejamento de verbas de 15% para 5%, impedindo o prefeito eleito José Serra de modificar a peça até 30 de março e cortando recursos das secretarias mais importantes para a futura administração, os vereadores petistas e seus aliados colocaram, mais uma vez, interesses mesquinhos à frente dos interesses da cidade. Uns, para se desforrarem da derrota nas urnas; os outros, porque entendem que, quanto mais endurecerem nas negociações com o futuro governo, mais cargos conquistarão na administração municipal.

A prefeita Marta Suplicy enviou proposta de orçamento para 2005, mantendo os 15% de margem para remanejar recursos entre programas, projetos e secretarias. Apostando na reeleição, distribuiu a receita prevista de R$ 15,2 bilhões entre os projetos que seu governo consideraria prioritários a partir de 2005.

Até as eleições, tratava-se do orçamento ideal, para vereadores petistas e aliados. Bastou a derrota da prefeita para que o projeto de lei se transformasse em moeda de troca e instrumento da mais truculenta oposição.

Os vereadores do PMDB, PL, PP e PTB se agruparam no chamado Centrão e declararam o preço do apoio de cada um: altos cargos nas subprefeituras. Diante de um prefeito eleito disposto a compor sua equipe com a colaboração de todos os partidos, mas sem fisiologismo, o Centrão resolveu pressionar, e contou com o apoio dos petistas, dispostos a atrapalhar o adversário político.

No início de dezembro, a Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal de São Paulo, que tem como presidente o vereador Milton Leite (PMDB) e como relator o vereador Antonio Carlos Rodrigues (PL), alterou a proposta enviada pela prefeita. Os mesmos vereadores que mantiveram, durante todo o mandato de Marta Suplicy, o índice de 15% de remanejamento decidiram fixá-lo em 5%, reduzindo de R$ 2,15 bilhões para R$ 760 milhões o total de recursos que Serra poderá aplicar livremente. Acima disso, o prefeito eleito terá de pedir autorização à Câmara para qualquer nova destinação que quiser dar às verbas. O relator Antonio Carlos Rodrigues disse que o índice de 5% valoriza os vereadores. De fato.

Por exemplo, para usar os recursos da Saúde na construção de hospitais locais e não nos mirabolantes CEUs Saúde, Serra terá de negociar, colocando mais cargos à disposição dos vereadores - desde, é claro, que a emenda seja aprovada em segunda votação.

Não bastasse, a comissão cortou verbas de projetos defendidos por José Serra durante campanha eleitoral. O orçamento da CET perdeu R$ 50 milhões. As obras da Avenida Jacu-Pêssego (fundamental na ligação da zona leste ao trecho sul do Rodoanel), que teriam R$ 34 milhões, ficaram com apenas R$ 9 milhões. A Câmara Municipal, por sua vez, poderá gastar bem mais: seu orçamento passou de R$ 215 milhões para R$ 260 milhões.

A proposta foi aprovada em primeira votação pela Câmara na semana passada e desencadeou uma queda-de-braço entre PSDB e PT, que extrapolou os limites da capital. Os tucanos esperavam que os petistas repetissem o gesto da bancada do PSDB em 2001, quando os vereadores do partido apoiaram a aprovação do índice de 15% de remanejamento. Como isso não ocorreu, o PSDB decidiu obstruir a votação do Orçamento-Geral da União, em Brasília. Em resposta, os petistas se organizam para barrar o orçamento estadual na Assembléia Legislativa. As ondas de choque, como não poderia deixar de ser, chegaram ao Palácio do Planalto e o ministro da Casa Civil, José Dirceu, o presidente do PT, José Genoino, e o presidente da Comissão de Orçamento, Paulo Bernardo (PT-SP), começaram, no final da semana passada, a planejar o recuo petista.

O líder de Marta Suplicy na Casa, vereador João Antônio, ainda tentou manter o embate, apesar das orientações da cúpula do partido: "Não vamos ser marionetes na mão de ninguém", disse.

Não é isso o que se exige dos vereadores paulistanos. Deles se espera, apenas, que exerçam seus mandatos com dignidade, tendo sempre em vista os interesses superiores da cidade. Comportamento que, convenhamos, deve custar a alguns sacrifícios imensos.