Título: Avança na Câmara projeto que cria SUS de luxo
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2004, Nacional, p. A4

Pessoas dispostas a pagamento extra teriam direito a acomodação mais confortável em hospitais e escolha de médico de confiança

Projeto aprovado pela Comissão de Seguridade da Câmara na semana passada deixou em polvorosa especialistas da área de saúde. De autoria do deputado Francisco Gonçalves (PTB-MG), a proposta prevê a oportunidade do pagamento por fora no serviço público. Pessoas dispostas a arcar com um pagamento extra teriam direito a acomodação em hospitais mais luxuosa do que a oferecida a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, teriam, também, o direito de escolher o médico de sua confiança - desde que pagassem outra porcentagem a mais para profissionais. O restante seria pago pelo SUS. "É uma ótima forma de trazer a classe média para o SUS", defende o relator do projeto, deputado Rafael Guerra (PSDB-MG). "Em vez de pagar planos de saúde, eles poderiam optar por esse atendimento personalizado."

Não é essa, no entanto, a avaliação do Conselho Nacional de Saúde. Antes da votação do projeto na Comissão de Seguridade, o CNS apresentou documento contrário à proposta. O receio é que o novo sistema crie castas de atendimento e, no futuro, provoque a redução de vagas para pacientes sem recursos para pagar o extra.

"Teríamos a inclusão da classe média e a expulsão dos menos privilegiados", resumiu o representante dos usuários no conselho, Carlos Duarte.

O deputado Roberto Gouveia (PT-SP), voto vencido na Comissão de Seguridade, afirma que o projeto fere vários princípios do SUS. Entre eles, o da igualdade e o da gratuidade. "Mas o pior é que tal sistema permitiria uma relação promíscua na filantropia", diz. Para ser considerado hospital filantrópico, a instituição tem de reservar 70% do atendimento para o SUS. "Pacientes de classe média, que pagam por fora, poderiam ser colocados nessa cota. E com isso, acabaria o atendimento gratuito."

Rafael Guerra garante que tal risco não existe. "Isso tudo pode ser bem regulamentado. Forma de pagamento, de reembolso, fixação de teto para ressarcimento", disse Guerra. "Além disso, seria uma ótima chance de médicos de grande gabarito voltarem a atuar no SUS, coisa que hoje não existe mais."

EQÜIDADE

O Ministério da Saúde já se manifestou contra o projeto. "O SUS prevê a eqüidade, o que, implica, muitas vezes, desenvolver estratégias diferenciadas, para inclusão de pessoas menos privilegiadas", afirma o secretário de Atenção à Saúde, Jorge Solla. "O projeto prevê justamente o oposto: benefícios para os que podem pagar mais."

Depois de aprovado na Comissão de Seguridade, o projeto segue agora para análise da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Se passar, seguirá direto para o Senado. O deputado Roberto Gouveia, porém, diz que apresentará recurso para que seja submetido antes ao plenário da Câmara.