Título: Guerra do Paraguai pode vir a público
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2004, Nacional, p. A7

Abertura de documentos históricos sobre o episódio é estudada pelo Planalto; Academia Paraguaia de História protesta contra sigilo

O governo brasileiro vai avaliar a hipótese de abertura dos arquivos da Guerra do Paraguai (1864-1870), segundo informou ontem o ministro Nilmário Miranda, chefe da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Basta, para isso, que o governo ou alguma instituição daquele país formalize o pedido, que será julgado pela Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas. Antes de saber dessa hipótese, a Academia Paraguaia de História lançou ontem um protesto contra a manutenção do sigilo. "É lastimável que o governo brasileiro queira impedir o acesso aos documentos", afirmou, em entrevista ao Estado, o presidente da entidade, Washington Ashwell. Por meio de nota divulgada à imprensa, a academia fez um apelo para que os arquivos sejam abertos: "Assim como os brasileiros tiveram acesso ilimitado aos arquivos paraguaios, eles deveriam em contrapartida permitir que os paraguaios conheçam a documentação sobre os acontecimentos da Guerra da Tríplice Aliança."

Também denominada de tríplice aliança, por envolver a união de tropas do Brasil, Argentina e Uruguai, a Guerra do Paraguai foi o mais sangrento confronto da América Latina e causou a morte de cerca de 300 mil pessoas, 200 mil paraguaios e 50 mil brasileiros. Travado às margens do Rio Paraguai, o conflito foi também palco de graves violações de direitos humanos, como estupros, torturas, saques e execuções sumárias, inclusive de crianças. Paraguaios acusam o Brasil de ter liderado esses crimes, sob o comando do Duque de Caxias, patrono do Exército brasileiro. Denunciam inclusive, que o Brasil teria se apoderado irregularmente de 40% do território paraguaio.

Segundo integrantes do governo, a divulgação dos documentos, catalogados e guardados sob o rótulo de ultra-secretos no Ministério das Relações Exteriores, poderia tumultuar as relações entre os países integrantes do Mercosul.

Esse argumento não se sustenta, disse o presidente da Academia Paraguaia de História. "O que pode ser revelado nunca irá afetar as relações atuais. Ao contrário, vai fortalecer essa relação por causa da transparência e da confiança que traria entre os países", afirmou Ashwell. "Não há acontecimento referente a essa guerra que não seja de conhecimento público." Ele ressaltou que o Paraguai já teve acesso a documentos da Argentina, Uruguai, Inglaterra e Estados Unidos sobre o conflito.

A comissão interministerial brasileira, criada na semana passada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem poderes para reclassificar e até suspender o sigilo de documentos do Estado, inclusive o de ultra-secretos.

TENDÊNCIA

Nilmário Miranda disse que nunca teve acesso aos documentos, mas revelou que a tendência do governo é quebrar o sigilo. "Essa é a tendência dos países democráticos, adotada pelo governo Lula. É direito do povo conhecer a verdade histórica."

O ministro ressaltou, apenas, que tudo deve ser feito à luz da Constituição, para preservar a segurança da sociedade e do Estado. Nilmário disse que sua intenção, em princípio, é defender a abertura dos arquivos, caso o pedido seja formalizado à comissão: "Nada impede a União de abri-los, pois não existe uma decisão legal de torná-los inacessíveis." Ele insistiu ser favorável à abertura, mesmo que as revelações levem o Brasil a ter de reparar atos do passado. "Se a decisão for manter os arquivos secretos, é preciso dizer porque e mostrar razões sólidas para isso."