Título: Crianças sem registro são 745 mil
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2004, Vida &, p. A12

21,6% dos bebês nascidos no País no ano passado não têm certidão em cartório e são, oficialmente, inexistentes

Sem certidão em cartório, 745 mil crianças nascidas no Brasil em 2003 - 21,6% do total - são, oficialmente, inexistentes, revela pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A proporção é menos de dois pontos porcentuais menor do que há mais de uma década - em 1993, era de 23,4%. Segundo o gerente de Estatísticas Vitais e Estimativas Populacionais do IBGE, Antônio Tadeu de Oliveira, "uma parcela importante" dos moradores de 3.600 dos 5.562 municípios brasileiros não retirou sua certidão no prazo legal de até 90 dias após o nascimento, caracterizando o sub-registro. "São pessoas que não estão exercendo a sua cidadania. Precisamos reduzir o porcentual de 22% para algo como o índice de países desenvolvidos, que é de 5%." A situação é mais crítica nas Regiões Norte e Nordeste.

Os principais entraves para a retirada do documento, disse, são a dificuldade de acesso aos cartórios e a falta de informação sobre a importância da certidão e sobre a lei de gratuidade, que desde 1997 aboliu as taxas para a retirada da primeira via dos registros de nascimento e de óbito. Embora a lei tenha contribuído para queda acentuada em 1999 - chegou a 16,5% -, a evasão voltou a subir nos anos subseqüentes.

Desenvolvida com base nas informações dos cartórios de registro civil de pessoas naturais e das varas de família, foros ou varas cíveis, a publicação Estatísticas do Registro Civil é anual e constitui instrumento fundamental para estudos demográficos, acompanhamento do exercício da cidadania e elaboração de políticas públicas. Por isso, a evasão na notificação dos nascimentos e óbitos, explica o pesquisador, pode prejudicar, por exemplo, o cálculo para repasse de verbas de governo feito com base nos índices populacionais.

No lançamento da pesquisa, o presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, Jaime de Alencar Araripe Júnior, observou que, apesar da gratuidade, há quem deixe de retirar o documento ainda por dificuldades financeiras. "Há pessoas que não têm dinheiro nem para o transporte coletivo. Por isso, criamos o cartório-móvel." A definição da paternidade é outro obstáculo. "Como no Brasil existem muitas relações informais, as mães vão postergando o registro, na esperança de que o pai reconheça o filho." O País tem 8.300 cartórios em todos os municípios.

Para Celso Simões, da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE, os programas sociais do governo, como o Bolsa-Escola e o Fome Zero, têm impacto importante na redução da evasão, já que para requerer o benefício é preciso apresentar certidão de nascimento. Ele acredita ainda que a mudança feita este ano nas estatísticas, deixando de contar como registros tardios - após três meses - os efetuados no ano seguinte ao do nascimento, melhorará o indicador nos próximos anos.

O indicador de registro tardio apresentou uma ligeira melhora de 1993 até o ano passado, caindo de 25,6% para 22,5% do total de registros de nascidos vivos. Geralmente, o grau de cobertura é melhor nos anos de eleições municipais, já que o documento é necessário para participar da votação.

ÓBITOS

Os dados relativos aos óbitos no País também têm acentuada subnotificação. Outra vez, a baixa cobertura ocorre no Norte e Nordeste, onde o sub-registro estimado em 2003 foi de 35,2% e 31,3% do total de mortes - quase o dobro da avaliada para o País (18,5%). Ressalte-se que, ao contrário dos nascimentos, os dados sobre óbitos são, geralmente, irrecuperáveis.

Em relação aos óbitos de crianças com menos de 1 ano, a subnotificação no País é elevada, 48%, e atinge níveis ainda piores no Norte (50%) e Nordeste (70%). "Isso terá implicações muito grandes no cálculo de indicadores como o de mortalidade infantil", disse Simões. De 1993 a 2003, a proporção sobre o total de mortes caiu de 9,6% para 4,5%. Mas, outra vez por causa da subnotificação de mortes, os dados precisam ser relativizados no caso do Nordeste. "A evasão na região é baixa. Portanto, o dado de que a proporção em 2003 foi 5,1% não é real.