Título: Palocci diz não a intervenção no dólar
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2004, Economia, p. B1

Ministro descarta controle da entrada de capitais, retenção temporária de dólares ou cobrança de IOF na venda da moeda estrangeira

Entre algumas garfadas de filé com fritas, farofa e arroz, o ministro Antonio Palocci deu ontem uma entrevista ao Estado. Revelou que o governo não fará nenhuma intervenção heterodoxa no câmbio. Não vai impor controles na entrada de capitais, como os que a Colômbia acaba de adotar. Também não entram em cogitação nem uma retenção temporária dos dólares que fossem apresentados para ser trocados por reais nem a cobrança de um IOF na venda de moeda estrangeira - como alguns vêm pedindo. Disse, também, que as autoridades dos países ricos vão centrar o ajuste que vai sendo pedido pela crise de confiança no dólar em medidas predominantemente fiscais (controle dos recursos públicos) e não na coordenação dos mercados de câmbio, como a que aconteceu em 1985, quando saiu o acordo do Hotel Plaza, de Nova York. Em princípio, o câmbio internacional "vai continuar solto".

Palocci mostrou também que é contra a intervenção na Varig. Quer uma solução "de mercado". E passou elementos de como um ex-trostkista, como ele, convive com os ex-stalinistas instalados no governo. A seguir, os principais pontos da entrevista:

Neste ano foram muitas as pressões do PT contra sua política. Em algum momento o senhor temeu que o presidente Lula optasse por um plano B?

Esta política não é minha; é do presidente. Este é um regime presidencialista e, se o presidente Lula optasse por mudar a política, eu a mudaria. Mas em nenhum momento ele vacilou sobre isso.

Os críticos dizem que o sr. coloca em prática a política do governo FHC e do FMI. Há diferenças ou é tudo a mesma coisa?

Não me incomoda dizer que, em alguns aspectos a atual política mantem pressupostos do segundo período do governo anterior. Mas o resultado fiscal do nosso governo é melhor. O presidente Lula não se conteve no sucesso econômico. Sua polítca está associada a novas medidas de inclusão social que fazem a diferença. Exemplo: políticas de microcrédito, crédito em folha de pagamentos, seguro para o pequeno produtor rural. A questão dos pobres é parte da política econômica.

O que o sr. encontrou da chamada herança maldita?

Encontramos uma situação grave: risco alto, inflação alta, a dívida pública no limite e a carga tributária, também. O País estava sem crédito para exportação...

Mas o que se diz é que estava assim porque o mercado temia que o PT no governo faria o diabo com a economia...

Tendo ou não um elemento eleitoral na crise, o que importava não era a explicação mas a situação, e esta era dramática.

O presidente Lula e o sr. têm ouvido de gente amiga que esta é uma política neoliberal, teleguiada pelo FMI. E que o governo PT está traindo a classe trabalhadora. Isso dói em quem foi revolucionário, como o sr.?

Nosso governo não é só arrocho. Os resultados estão saindo. Tem o crescimento econômico, a indústria paulista está batendo recordes de produção, a balança comercial tem enorme superávit...

Mas eles acham que o interesse do trabalhador está sendo passado para trás...

Vejo isso com compreensão. Não fazem isso de má fé. Nossa história teve muito de mágicas, que parecem dar certo no curto prazo mas a conta vem depois. Não dá para resolver com tablita, banda diagonal endógena e macumba. Este é um ajuste clássico que não deixa conta para o futuro. Os críticos que previram crise cambial não fizeram a autocrítica.

As esquerdas do Chile e da Espanha aprenderam rapidamente que nenhuma política social é sustentável sem rigoroso equilíbrio fiscal. Por que as esquerdas brasileiras insistem nas gambiarras e nas mágicas?

Eles não entenderam ainda que a maior vítima é a área social. Desequilíbrio social gera perda social; esforço fiscal libera recursos para projetos de infra-estrutura e para projetos sociais.

O que d. Antônia, sua mãe, que é uma ativista, pensa das opções de política econômica de seu governo?

Sobra tão pouco tempo para conversar de filho pra mãe e de mãe pra filho que falo pouco sobre isso. Mas ela faz um trabalho social elogiável e tem noção da importância do equilíbrio fiscal.

O que de sua cultura trotskista trouxe de útil para a condução da política econômica?

O trotskismo me ensinou o valor da democracia e do contraditório. Foi lá que aprendi a importância de uma boa peleja política, o que me ajuda a enfrentar a crítica com abertura.

Serviu, também, para lidar melhor com os ex-stalinistas no governo?

As categorias políticas das esquerdas mudaram. O PT criou um ambiente novo, superior às idéias desse tempo...

Por que a política social do governo não consegue decolar?

Ela está decolando, embora isso ainda não esteja sendo percebido. Estamos falhando em mostrar isso. Veja a reforma agrária. O que melhor se fez neste governo nessa área foi o Pronaf, o programa de atendimento à agricultura familiar. Foi criado um seguro bancado pelo Tesouro para o pequeno agricultor. Isso vai trazer muito mais resultado do que o volume de assentamentos. O País assentava 50 mil, mas o campo perdia 100 mil que já estavam lá.

O sr. é o administrador do cofre e ficou conhecido pela austeridade. Mas neste fim do ano as despesas estão explodindo. O sr. está perdendo controle?

Nós não tínhamos como avaliar os números. No ano passado, por exemplo, pareceu que a carga tributária estava chegando aos 40% do PIB. Revistos os números, conferiu-se que foi o PIB que subiu, e não a carga. Na nossa avaliação, neste ano houve uma despesa maior com o funcionalismo, mas foi um gasto bem administrado. Em proporção ao PIB, não houve grande mudança. Mas dá para melhorar na qualidade do gasto público e o Planejamento está cuidando disso. É preciso pôr mais dinheiro no investimento e menos no custeio. Não é tirar do social; é melhorar o gasto também no social.

Muita gente dentro e fora do governo está dizendo que a meta de inflação do ano que vem é ambiciosa demais, o que obriga o BC a puxar demais pelos juros, o que prejudica o crescimento. Como o sr. responde a essa gente?

A história não mostra que mais inflação leva a mais crescimento. Mais inflação vai corroer a renda dos mais pobres. Este governo não tolera inflação não só por opção técnica mas por opção política. É o povo que não tolera a inflação e alija do poder o governo que não leve isso a sério. Nos dois últimos anos, o BC tem acertado.

Outra crítica é a de que a política de metas de inflação é um freio de mão num automóvel. Serve para segurar um carro parado mas não para freá-lo a 120 por hora. Não é preciso dar uma ajuda à política de metas para obter mais eficácia no controle da inflação?

O sistema de metas de inflação não é perfeito; tem suas deficiências. Mas é o melhor que existe.

A gente pode não gostar do professor Gustavo Franco. Mas quando esteve à frente do BC executou uma política de Estado. E, no entanto, agora ele está sendo responsabilizado criminalmente por isso. O que o sr. acha disso?

Essa decisão tem forte componente político. Tenho confiança em que os deputados e senadores serão capazes de separar o que é jogo político de eventual procedimento inadequado. Nesses dois anos de governo não deparei com atitudes de governantes que nos antecederam que tenham agido de má fé. Podem ter tido escolhas diferentes, mas agiram tendo em vista o interesse público.