Título: 'Boa política fiscal derruba juros'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2004, Economia, p. B3

Essa é a receita de Palocci a longo prazo. No curto prazo, ministro avalia que nem sempre há relação direta entre o fiscal e o monetário

Continuação da entrevista de Celso Ming com o ministro Antonio Palocci.

Se a política de formação de superávits primários para controle da dívida está dando certo, não seria o caso de aumentar em alguma coisa o superávit para ajudar a reduzir mais rapidamente os juros?

Uma boa política fiscal vai ajudar a derrubar os juros.

Mas há algo que se possa fazer já para derrubar os juros?

Se persistirmos nas reformas microeconômicas, fortalecermos as instituições de crédito e as instituições regulatórias - que é para atrair o investimento privado e dar-lhe segurança, os juros serão bem mais baixos.

O governo vai renovar o acordo com o FMI?

Esse acordo termina em março e eu não tomo decisões antes da hora. Em fevereiro ou março, teremos uma avaliação definitiva sobre isso.

Porque a política industrial não decolou?

O debate que encontrei aqui era: ou fazemos a velha política industrial ou a boa política industrial é aquela que não se faz. Os dois lados têm razão no que afirmam e não têm razão no que negam. Política industrial não pode ser a velha política industrial, protecionista, que privilegia setores e tira competitividade do processo. Tem de ser uma política industrial de inovação e de aumento da competitividade. Tivemos de construir os instrumentos: financiamento, exoneração tributária, incentivo à pesquisa. O que foi feito nos dois últimos anos foi muito tendo em vista que há mais de uma década não se mexia nesse assunto.

O sr. concorda com a posição daqueles que defendem um passo atrás no Mercosul para depois avançar outros dois?

Lenin dizia que, às vezes, é preciso dar um passo atrás para dar dois à frente...Eu não sei como você está traduzindo esse passo atrás, se são as medidas de salvaguarda....

É a sugestão de um rebaixamento do Mercosul à condiç ão de área de livre comércio, já que nem isso está conseguindo ser.

O Mercosul e a integração dos países da América do Sul interessam ao Brasil. Mas tem de ser um impulso ao crescimento e não um atraso. O Mercosul tem de ser instrumento para avanço nas negociações comerciais com outros blocos.Não pode ser um entrave. Problemas comerciais geram calor. Não há relações comerciais sem conflitos.

Não é hora de batalhar por maior acesso aos mercados por meio da construção da Alca e do acordo comercial com a União Européia? A hora não é para mais comércio e menos geopolítica?

Essas coisas não são excludentes. Vale o esforço de integração da América do Sul, mas esse esforço tem de ser um impulso para melhorar as negociações com outros blocos. Mas agora é difícil avançar...

Por causa da Argentina?

A própria União Européia avança pouco. Não há resultados comerciais no curto prazo.

Quando estavam fora do governo, o presidente Lula e o PT insistiam em que a Alca é um projeto de anexação da América Latina aos Estados Unidos. O governo Lula ainda não pensa um pouco assim e, por isso, estaria emperrando as negociações?

A questão da Alca cria uma polêmica maior. Mas não percebo por parte do presidente Lula nenhuma abordagem ideológica na sua política externa.

Ele foi muito claro na questão da anexação...

Ele dizia: Os Estados Unidos defendem primeiro eles próprios, em segundo lugar eles próprios e em terceiro também eles. Nós temos de ser aguerridos na defesa dos nossos interesses, não simplesmente aceitando o que os países ricos querem impor.

Quais são os riscos que a política econômica brasileira está correndo nesse processo de controle dos dois déficits da economia americana?

O maior problema acontecerá se os Estados Unidos não fizerem o que tem de ser feito. Mas não tenho receio disso. Os Estados Unidos têm noção da sua importância econômica. Se fizerem o ajuste, e o fizerem bem feito, vai ser bom para o mundo. Na reunião do G-20, em Berlim, o secretário do Tesouro americano, John Snow, anunciou que vai atacar o déficit fiscal e iniciar um processo de cortes de despesa. Isso foi bem recebido.

Em Berlim ou no contato que o sr. está tendo com au toridades mundiais, em algum momento ouviu a idéia de administrar melhor o câmbio internacional como se fez naquele acordo do Hotel Plaza, em 1985, ou o câmbio mundial vai ficar solto?

A tendência é fazer os acertos fiscais e monetários e deixar o câmbio flutuar. Uma coordenação cambial é pouco provável porque mexer no câmbio produz desacertos.

A crise do dólar já está provocando migração de recursos para países emergentes. A Colômbia acaba de impor condições a entrada de capitais. O governo pensa em fazer a mesma coisa?

A nossa economia não está necessitando de medidas heterodoxas. Se tivermos mais capitais externos, podemos refazer as reservas. É preciso que haja um ajuste de preços relativos no mundo. Formar reservas é um jeito de tirar proveito disso.

O Banco Central não está conseguindo inverter essa tendência de valorização do real.

Nem vai tentar.

Mas decidiu intervir e, aparentemente, não está conseguindo o efeito desejado. O governo não pode impor um prazo de carência para conversão de dólares em reais, ou impor um IOF nessa conversão?

Não.

Nesse caso, a opção mais correta não seria baixar os juros para impedir que os exportadores antecipem a troca de dólares por reais e apliquem o dinheiro no mercado financeiro, onde ganhariam mais?

Eu não me pronuncio sobre as medidas que devem ser adotadas pelo Banco Central.

Que livros o sr. leu este ano e quais os que mais o impressionaram?

Li o Lições Americanas, do Ítalo Calvino, que todo político deveria ler. Depois, li o livro do atual economista-chefe do FMI, Salvando o Capitalismo dos Capitalistas. Li Sobre Meninos e Lobos. Estou lendo o livro do Gabriel García Márquez, Memorias de Mis Tristes Putas. Muito bom...

O sr. já viu o filme Entreatos?

Gostei. Acho que o diretor teve sabedoria. Ele contava com cenas maravilhosas externas da campanha, mas teve coragem de não usar. Não foi populista. Procurou dar ao seu público não as cenas mais emocionantes, mas as mais íntimas. Nisso ele teve sucesso. O público brasileiro vai ver o quanto do seu presidente é de carne e osso e quanto ele é uma pessoa sincera e transparente. O filme é bom para o País e para o presidente.

O sr foi ator coadjuvante em várias cenas...

Fui apanhado em cenas de medicina explícita (risos). Gostei muito do filme do (Quentin) Tarantino, Kill Bill 1 e 2. Assisti quase todos os filmes brasileiros novos. Gostei muito. Diários de Motocicleta não consegui ver .

O sr. defende intervenção na Varig?

Não. Acho que o governo deve procurar uma solução de mercado. Ou é solução de mercado ou não é. O governo não pode se responsabilizar pelas dificuldades de nenhuma empresa. Se isso fosse regra, quebraríamos o Estado brasileiro.

O que seria uma solução de mercado para a Varig?

Estamos estudando. O governo deve ajudar a buscar uma solução, pela sensibilidade do setor de aviação e pela importância da Varig. O governo deve ajudar, mas não pode ficar salvando empresas.