Título: Dólar preocupa indústria de calçados
Autor: Vera Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2004, negócios, p. B13

Fabricantes temem uma expansão mínima das exportações no próximo ano com a moeda americana em torno de R$ 2,70

As empresas brasileiras de calçados vão fechar 2004 com cerca de 200 milhões de pares exportados para mais de 120 países e faturamento de US$ 1,8 bilhão, o melhor desde 1993. Mas, mesmo com esse resultado, um crescimento em torno de 15% em relação ao ano anterior, os exportadores estão apreensivos. O comportamento do dólar neste final de ano já ameaça as projeções entusiasmadas de expansão. "Com o câmbio fechando a R$ 2,70, as empresas já começaram a ter prejuízo," diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), Elcio Jacometti. Ele acredita que, se a situação perdurar em 2005, o aumento das vendas externas, que poderia ser de 15%, ficará perto de 5% em comparação a 2004. Para reduzir o problema, a indústria pode racionalizar custos e aumentar a produtividade, mas há limites. O risco é perder vendas e clientes externos, conquistados com dificuldade num mercado muito competitivo.

Além do dólar, o desafio para o próximo ano é colocar uma quantidade bem maior de sapatos "made in Brazil" nos pés do consumidor europeu. O rico e exigente mercado da Europa é estratégico e será o centro das atenções das indústrias exportadoras, que se reúnem no próximo mês na Couromoda.

"A expectativa é que as vendas para a Europa dobrem de crescimento em relação a outros mercados. Nosso principal foco de trabalho este ano será voltado para os europeus", diz o presidente da feira, Francisco Santos. A Europa representa 15% das exportações brasileiras.

Tanto empenho tem explicação. Todos os setores que requerem mão-de-obra intensiva, como o de calçados, estão se tornando proibitivos nos países europeus pela valorização do euro, principalmente nos últimos dois anos.Os custos das empresas se tornaram mais altos e os salários dos trabalhadores não acompanharam a alta da moeda. "As indústrias ficaram sem preços competitivos e estão sendo obrigadas a deslocar sua produção para outros países, como os do Leste Europeu, China ou Brasil, todos com custos mais atrativos", diz Santos. As chances de crescer estão neste cenário.

RECONHECIMENTO

Os fabricantes brasileiros que estão no exterior também ressaltam a importância do reconhecimento das marcas nacionais no mercado europeu. Afinal, trata-se de vender calçados para um consumidor acostumado com produtos italianos, franceses e espanhóis, referências mundiais em qualidade.

"A Europa é fundamental para irradiar o conceito da nossa marca para o resto do mundo", diz o diretor da marca Dumond de sapatos e acessórios femininos, Rogério Vargas. Criada há 7 anos, a Dumond exporta 55% da produção, vende sua marca para 52 países e há 2 meses abriu um escritório em Barcelona.

A Azaléia, com 10 milhões de pares/ano exportados, ou 25% da produção, há 3 anos abriu um escritório na República Checa. O gerente de Exportações da marca, Paulo Wolff, explica as vantagens da escolha: "Os custos de operação são baixos, menores, por exemplo, que os da Alemanha ou Áustria. A posição geográfica também é favorável, pois estamos entre o Oeste e o Leste europeus."

O sapato com marca do fabricante, de maior valor agregado,vem ocupando aos poucos mais espaço no mercado europeu. Mas predomina ainda o que o mercado conhece como "private label", ou o calçado com a marca pedida pelo importador. Ele corresponde a mais de 90% das exportações, segundo a Abicalçados. Um sapato de valor mais elevado na Europa custa de US$ 18 para cima. O preço médio do calçado brasileiro, hoje, nos Estados Unidos, sem a etiqueta do exportador, está em torno de US$ 10. Daí o interesse do fabricante em investir no produto de marca que agrega maior valor.

"Há uma tendência de crescimento da marca própria, mas está centrada mais em fabricantes com produtos muito diferenciados ou com aqueles que têm potencial financeiro para divulgar seu nome lá fora", diz o presidente da Couromoda.

A sofisticada grife Maurício Medeiros, com sapatos forrados de seda, e que já calçou as atrizes do seriado americano "Sex and the City", exporta 4,5 mil pares por ano para 14 países. Seus sapatos ficam na faixa de R$ 450 no Brasil e US$ 250 no exterior. Em nenhum país ele precisa abrir mão da marca. Mas vende em butiques que trabalham com as melhores grifes européias e integra a Associação Brasileira de Estilistas, onde figuram nomes conhecidos no exterior, como Amir Slama e Walter Rodrigues.