Título: O sonho acabou?
Autor: Ubiratan Brasil
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2004, Cinema, p. 1

Depois de longo namoro com o público no ano passado, cinema brasileiro apresenta números em queda em 2004, com menos ingressos vendidos

O cinema brasileiro termina a temporada de 2004 com uma boa e uma má notícia. A boa é que o número de estréias de longas nacionais vai marcar um recorde desde a retomada: quando estrear no último dia do ano, Meu Tio Matou um Cara, de Jorge Furtado, será o 51.º filme brasileiro a chegar às telas, número bem superior ao do ano passado (30). A má é que, apesar de tanta opção, o público pagante diminuiu 20% em relação ao ano passado, confirmando uma queda anunciada há vários meses. Nem mesmo o fôlego apresentado por Cazuza, o Tempo não Pára e Olga, os dois mais vistos e únicos nacionais a ultrapassarem a marca de 3 milhões de espectadores, foi suficiente para fazer frente aos 4,6 milhões que assistiram a Carandiru, o grande lançamento do ano passado. Também a participação no mercado, o chamado 'market share', caiu de 20% para 15%. "E 2005, na melhor das hipóteses, será igual a este ano, senão pior", prevê Bruno Weiner, diretor da Lumière, distribuidora de Olga. Um dos principais motivos, acredita ele, é a eterna dependência de um número pequeno de filmes "de ponta". "Todos os anos, temos no máximo oito longas que canalizam a atenção do público, ou seja, com potencial para atrair mais de um milhão de ingressos. Se esse número não subir, por exemplo, para 15, continuaremos com o problema."

O empresário observa que, desde 2000, poucos filmes atraem a atenção da maioria dos espectadores, bastando um deles falhar nessa expectativa para os números ruírem. É o caso, por exemplo, de Irmãos de Fé que, com um público de 957 mil pessoas, não repetiu o sucesso da primeira parceria entre o diretor Moacyr Góes e o padre Marcelo Rossi, Maria, Mãe do Filho de Deus, que atraiu, em 2003, mais de 2,3 milhões de espectadores.

Um das razões, segundo Weiner, está nos planos de incentivo patrocinados pelo governo que já atingiram sua possibilidade máxima. "É preciso que o governo estabeleça logo as regras para o uso do que é arrecadado em distribuição na produção, o que já é feito pelas distribuidoras estrangeiras. Com isso, as nacionais poderão entrar no mercado com mais agressividade." Trocando em miúdos é investir na realização de filmes nacionais uma parcela maior do que é arrecadado com a distribuição.

A frustração nas grandes apostas também contribuiu para a derrocada dos números. Entre os longas lançados com maiores números de cópias, presentes na lista dos dez mais vistos em 2004, apenas Xuxa Abracadabra se aproximou das expectativas: lançado com 305 cópias no final de 2003, ele terminou em terceiro lugar, com cerca de 2,2 milhões de espectadores.

Já Acquária, primeiro filme estrelado pela dupla Sandy e Júnior, foi a maior decepção - lançado com grande estardalhaço com suas 340 cópias, atraiu pouco mais de 800 mil espectadores, público bem inferior se comparado à quantidade de discos vendidos pelos irmãos.

Se a curva do cinema nacional é descendente, o mesmo não se pode dizer da freqüência das salas em geral: em 2004, o número de pessoas nos cinemas cresceu 9% em todo o País, alcançando cerca de 112 milhões de espectadores.

"É possível que uma menor oferta de filmes nacionais com claro apelo popular tenha contribuído para a queda de bilheteria", acredita o escritor e roteirista Marçal Aquino, que participou de filmes como Nina e O Invasor. "Mas certamente não é a única causa. Houve recuos em todas as áreas da cultura, pois nunca estivemos tão pobres."

Aquino observa que as qualidades artísticas e técnicas se mantiveram nos filmes exibidos, o que comprova uma consolidação. "Outro aspecto é a diversidade temática e de linguagens dessa produção, que mostra vitalidade e ajuda a compor um retrato do Brasil contemporâneo."