Título: O futuro da energia nuclear
Autor: José Goldemberg
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2004, Espaço Aberto, p. A2

Existe um movimento internacional interessado num "renascimento" da energia nuclear para enfrentar os problemas das próximas décadas. O "período de ouro" da energia nuclear foi há cerca de 30 anos, quando a maioria dos reatores nucleares que existem hoje - cerca de 400 - foi construída. A partir de 1990 praticamente não se instalaram outras unidades. Esse "período de ouro" foi caracterizado por um grande otimismo em relação a essa forma de energia: Tornou países como o Japão e a França, e os da Europa Oriental - que não têm outros recursos naturais, como a hidreletricidade -, auto-suficientes na produção de energia elétrica. Pesados subsídios governamentais ajudaram na expansão do uso de energia nuclear. Diversificou a matriz energética dos Estados Unidos e outros, criando esperanças de que a eletricidade produzida seria barata e competitiva. Esse entusiasmo se desvaneceu ao se perceber que ela era mais cara que alternativas de geração como carvão e as novas tecnologias do uso de eficientes turbinas de gás natural. Nos Estados Unidos, onde as usinas nucleares são privadas, não se constrói um reator nuclear há mais de 20 anos. Além disso, o acidente de Chernobyl, na ex-União Soviética, e as preocupações do que fazer com o "lixo nuclear" ajudaram a reduzir muito o interesse por essa opção. O movimento antinuclear levou ao abandono dessa opção na Itália, na Alemanha e em vários outros países industrializados. Diante dessas dificuldades, o interesse das empresas produtoras de equipamentos nucleares se voltou naturalmente para os países em desenvolvimento em crescimento rápido, onde alguns governos viam na energia nuclear - uma tecnologia moderna - uma fonte de prestígio e status internacional. Em alguns deles havia também interesse. Apesar disso, o avanço de energia nuclear nos países em desenvolvimento foi pequeno: a grande maioria deles tem redes elétricas pequenas, nas quais grandes reatores nucleares não se encaixam bem. Exceções são a China, a Índia e o Brasil, onde os governos - e não a iniciativa privada - tentaram seguir esse caminho. O que aconteceu no caso do Brasil é bem conhecido: além de outros problemas, a energia nuclear custa aproximadamente o dobro da eletricidade produzida em Itaipu, o que significa que o Tesouro Nacional desembolsa cerca de US$ 200 milhões por ano para manter os reatores nucleares de Angra dos Reis em funcionamento. A justificativa dada para isso é que se trata de uma tecnologia nova e que o seu domínio tem um custo que deve ser adicionado ao custo da eletricidade produzida. Isso poderia ser verdade 20 anos atrás. Contudo, como essa tecnologia já atingiu a maturidade, o seu custo não vai mais cair, como ocorre com as novas tecnologias alternativas, como as do vento, células fotovoltaicas e outras que se estão tornando competitivas. Exemplo disso é o que está ocorrendo na Alemanha, que está seguindo esse caminho. Do ponto de vista econômico, energia nuclear só faz sentido em poucos países, como o Japão, onde a produção de energia elétrica é muito cara, já que todos os combustíveis são importados e energia hidrelétrica não tem grande importância. Qual a razão, portanto, para um "renascimento" da energia nuclear? A resposta está nas preocupações com o efeito estufa, isto é, o aquecimento do globo terrestre resultante da queima de combustíveis fósseis - carvão, gás e petróleo - para a produção de eletricidade. Isso é particularmente sério na China e na Índia, países que têm grandes reservas de carvão e parecem dispostos a queimá-las, mesmo que se tornem os maiores emissores de gases do efeito estufa. É também o caso - em menor escala - nos Estados Unidos. De fato, reatores nucleares não produzem esses gases e este argumento é a base do interesse renovado em energia nuclear em vários países. O que se observa, em conferências internacionais sobre este tema, é o esforço de técnicos do setor nuclear de abraçar teses catastróficas sobre as conseqüências do efeito estufa, que a energia nuclear evitaria. Esta situação contrasta com a dos representantes da indústria do carvão, que tentam negar a evidência científica de que o efeito estufa já está ocorrendo. De modo geral, representantes do governo dos Estados Unidos apóiam essas posições. Apesar desses argumentos, é pouco provável um renascimento significativo de energia nuclear nos países em desenvolvimento, talvez com a exceção da China e da Índia, cuja matriz energética é altamente dependente do carvão, o principal contribuinte da poluição local e do efeito estufa, o que não é o caso do Brasil, que tem outras opções. Existe, além disso, um fator novo nas relações internacionais na área nuclear, que é o da proliferação nuclear, de certa forma indissociável do uso da energia nuclear para produzir energia elétrica, como ocorre hoje na Coréia do Norte e no Irã. A Coréia do Norte não tem grande capacidade nuclear e as negociações nessa área com os Estados Unidos têm, na realidade, motivos políticos. O Irã, contudo, atravessa um complicado período de negociações com a Agência Internacional de Energia Atômica e está sendo pressionado pela União Européia e pelos Estados Unidos a abandonar seu projeto de enriquecimento de urânio. Existe o risco de o caso ser levado ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde sanções poderiam ser adotadas contra esse país, um caminho perigoso. Levantando em conta todos esses fatores, como os custos elevados de energia nuclear, os riscos da proliferação nuclear e os problemas não resolvidos do que fazer com o "lixo nuclear", muitos países em desenvolvimento examinarão com prudência os prós e contras da "solução nuclear" antes de se engajarem nela. José Goldemberg é secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo falecom@estado.com.br

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