Título: `A fome não é coisa medida em pesquisa¿
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2004, Nacional, p. A6

BRASÍLIA - O presidente Lula contestou ontem a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada há uma semana, que aponta que o Brasil tem hoje mais obesos do que desnutridos. "A fome não é coisa medida em pesquisa", disse, em discurso na celebração de Natal no Palácio do Planalto. "A fome quem sente é quem passa fome e nem todo mundo que passa fome reconhece que passa fome", afirmou. "Pode colocar o Ibope, o Datafolha, o Vox Populi, pode colocar todos os institutos de pesquisa para saber se as pessoas estão com fome e possivelmente o resultado seja negativo. Negativo dizendo que todo mundo come bem", disse Lula. "Não é todo ser humano que reconhece que passa fome. As pessoas têm vergonha. As pessoas não sentem orgulho de dizer: eu passo fome, eu não comi as calorias e proteínas necessárias."

As afirmações do presidente foram feitas após ouvir seu assessor especial, Frei Beto, que, na cerimônia, também criticou a pesquisa. "Nunca vi uma figura de Jesus gordo. Pode ser que exista, mas eu nunca vi. Nunca vi uma figura de Papai Noel magro. Todo Papai Noel que eu conheço é gordo e, de repente, começou a se falar por aí que no Brasil não há fome, que o que há é excesso de gente obesa", comentou Frei Beto.

Para ele, "estão confundindo" o sentido do Natal. "Primeiro, porque, infelizmente, há muita fome no País. Num país em que 40% da população não têm renda per capita superior a R$ 5, não vamos dizer que isso dá para ter uma boa qualidade de vida. Basta ver os índices da mortalidade infantil para constatar, lamentavelmente, que o Fome Zero merece ser a prioridade do governo."

FOME ZERO

Em seu discurso, o presidente defendeu o programa Fome Zero e a determinação do governo de dar dinheiro e não cestas básicas, porque, na sua opinião, no Brasil não há falta de alimento, mas de dinheiro para comprá-lo. Ele disse que os programas sociais do governo vão continuar com o formato que têm hoje, até que se saiba quem está certo, quem está errado. "O dado concreto é que nada vai ser feito até quando acabar isso, até o dia em que eu tiver certeza de que todas as crianças estão tomando café de manhã, almoçando e jantando", declarou, acrescentando que só aí terá certeza de que o programa Fome Zero não é mais necessário.

Depois de afirmar que a miséria está em todo lugar - no Nordeste ou na periferia das grandes cidades -, o presidente Lula afirmou que "vai continuar com a mesma força, com o mesmo vigor, tentando cumprir a meta de atender as 11,4 milhões de famílias que, segundo o próprio IBGE, não têm condições de comer as calorias necessárias". E acrescentou: "Quando atingirmos esse número, aí vamos ver se precisamos dar mais ou precisamos diminuir."

Ele reconheceu que não tem interesse em ficar dando Bolsa-Família a vida inteira, mas apelou a Deus para que "um dia" ninguém precise mais do Bolsa-Família, do cartão do Fome Zero, que todas as pessoas estejam trabalhando e comendo à custa do seu trabalho.