Título: Bush admite que as forças iraquianas não estão capacitadas
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2004, Internacional, p. A16

WASHINGTON - O presidente dos Estados Unidos, Ge orge W. Bush, admitiu ontem que as novas Forças Armadas do Iraque treinadas pelos america nos não estão em condições de garantir a segurança do território e preparou o espírito dos americanos para mais violência e mais baixas entre as tropas dos EUA antes e depois das eleições programadas para o dia 30 de janeiro. Embora isso já seja óbvio há meses, a declaração do líder americano foi significativa porque representou um raro reconhecimento dos obstáculos para estabilizar o Iraque e começar a organizar uma saída honrosa para o pesadelo em que a invasão se converteu para iraquianos e americanos.

Com o número de soldados americanos mortos já acima de 1.300, e aumentando a cada dia, Bush pediu paciência. "As eleições de janeiro são o começo de um processo e é importante que o povo americano compreenda isso", afirmou ele, em sua última entrevista coletiva à imprensa no ano. O presidente acusou os rebeldes de tentar "arrebentar o processo democrático", o que eles têm feito com letal eficiência nas últimas semanas, demonstrando capacidade para montar ataques diários e, às vezes, simultâneos, em diferentes cidades.

Indagado sobre o futuro do secretário da Defesa (Pentágono), Donald Rumsfeld, que na semana passada se tornou alvo de críticas de senadores republicanos pela forma desastrosa como conduziu a guerra até agora, depois de ter sido confrontado por soldados numa recente visita ao Kuwait, Bush reiterou sua confiança no chefe do Pentágono.

"Conheço o coração do secretário Rumsfeld", disse Bush, acrescentando que ele está fazendo "um bom trabalho". O secretário da Defesa "é um homem bom e decente, é um homem atencioso", disse o presidente, em resposta a uma pergunta sobre a embaraçosa revelação de que Rumsfeld havia relegado a uma máquina o trabalho de assinar as cartas de condolências que envia às famílias dos soldados mortos em ação.

A reafirmação da confiança do presidente em Rumsfeld não parece ter melhorado significativamente a posição dele.

Mesmo os dois senadores republicanos que saíram em sua defesa no fim de semana deixaram claro que apenas as circunstâncias impedem sua substituição. John Warner, o presidente da Comissão das Forças Armadas do Senado, afirmou no domingo que a troca de secretário da Defesa não é conveniente faltando pouco mais de um mês para as eleições no Iraque.

Richard Lugar, de Indiana, que preside a Comissão de Relações Exteriores do Senado, disse que o país "não pode enfrentar hoje a provação de encontrar o sucessor" e sugeriu que Rumsfeld seja mantido no cargo e cobrado pelo que fez e deixou de fazer. O senador Carl Levin, democrata de Michigan e número 2 da Comissão das Forças Armadas, disse que o que está errado é a política que levou Bush a invadir e ocupar o Iraque. Levin afirmou que só apoiaria a troca de secretário da Defesa se isso resultasse de uma mudança de política.

Bush defendeu ainda a nomeação do ex-chefe da Polícia de Nova York Bernard Kerik para o cargo de secretário da Segurança Interna. Kerik foi forçado a retirar seu nome depois de várias revelações embaraçosas sobre seu passado, incluindo possíveis ações ilegais. "Ele tomou a decisão certa ao retirar sua candidatura", afirmou Bush.

O presidente disse que ainda não sabe quem nomeará para o novo cargo de diretor Nacional de Inteligência, criado por uma nova lei que reformou o setor de coleta e análise de informações e de ações encobertas do governo.

Também tratou de sua agenda legislativa para o segundo mandato, que será inaugurado dentro de um mês, e prometeu apresentar uma oferta de orçamento que cortará pela metade, em cinco anos, o déficit fiscal recorde de cerca de US$ 400 bilhões, do ano passado.

Ele foi evasivo sobre seu ambicioso plano de privatização parcial da previdência social, admitindo apenas que o assunto envolve "escolhas difíceis". O custo de transição entre o sistema atual e o que Bush parece ter em mente pode chegar a proibitivos US$ 2 trilhões, segundo estimativas da própria administração.