Título: Serra telefona para o Planalto e diz que não quer confronto
Autor: Vera RosaJoão Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2005, Nacional, p. A4

Preocupado em desfazer o mal-estar político causado por sua crítica à penúria de São Paulo, o prefeito José Serra (PSDB) telefonou ontem para o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo. Serra disse que não teve a intenção de atacar a ex-prefeita Marta Suplicy (PT) quando afirmou ter encontrado apenas R$ 16 mil no caixa da Prefeitura ao assumir o cargo, dia 1.º. Garantiu ainda, de acordo com interlocutores do PSDB, que não pretende fazer nenhuma devassa na administração do PT. Serra quer evitar confronto com o Planalto no momento em que a Prefeitura está sendo beneficiada pelo Tesouro Nacional. Na segunda-feira, depois de uma negociação que envolveu até o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, o Tesouro mandou liberar R$ 145 milhões para a Prefeitura. Os recursos haviam sido bloqueados no dia 30 de dezembro pelo Banco do Brasil porque Marta não pagara, naquela data, a parcela da dívida com a União. A liberação da verba vai de encontro à Lei de Responsabilidade Fiscal porque fere o contrato entre as partes. O governo se viu obrigado a desbloquear os recursos, porém, porque já fizera o mesmo em 30 de novembro, quando Marta atrasou o pagamento de R$ 58 milhões da parcela daquele mês. Ao assumir, Serra reclamou da herança - um caixa praticamente vazio -, já que acertara mais alguns dias de prazo para quitar a prestação de dezembro. Pior: ele soube que a Prefeitura devia R$ 16 milhões para fornecedores. Em conversas reservadas na Casa Civil, o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, disse não ter autorizado nada ilegal em relação à dívida de São Paulo e muito menos privilegiado Marta ou Serra. "Estão fazendo tempestade em copo d'água sobre esse assunto", reclamou. Um técnico do Tesouro endossou a informação. "Nada foi feito sem respaldo legal", disse ao Estado. "Se alguma brecha existe, foi motivo de parecer da Procuradoria Nacional da Fazenda." GARANTIA No fim de novembro, Serra foi informado pelo governo de que não haveria bloqueio de verba da Prefeitura, mesmo se Marta deixasse de pagar a parcela da dívida com a União, já que ela faria a quitação ao longo de dezembro. Recebeu, ao mesmo tempo, a garantia de que teria tratamento igual em relação à parcela de dezembro. Como Serra preside o PSDB, ele reuniu a direção do partido e pediu que os tucanos fossem orientados a colaborar com o Planalto, pois tinha a garantia de que seria tratado institucionalmente. Na prática, o prefeito negocia com Palocci há mais de um mês. No dia 21, ele visitou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem conversou por mais de uma hora. Serra ouviu dele a promessa de que o governo trataria São Paulo "de acordo com o interesse público, e não com enfoque de natureza partidária". No dia 28, o prefeito jantou com Palocci na residência oficial. Há cerca de 30 dias, num congresso da Associação do Mercado Imobiliário (Ademi), do Rio, Palocci garantira à cúpula tucana que ajudaria Serra. Foi por atitudes assim que Serra decidiu esperar a posse para verificar se o governo cumpriria as promessas. Caso contrário, partiria para a briga. Quando soube da decisão do Tesouro de bloquear R$ 145 milhões da Prefeitura, ainda no sábado, ficou muito irritado e vazou parte da informação para a imprensa. Esperava que ela fosse publicada domingo, mas se esqueceu de que os jornais fecham cedo no sábado. Esperou a notícia para a segunda-feira, mas ela não apareceu. Na segunda, Serra soube que o dinheiro fora desbloqueado. Decidiu recuar, mas não conseguiu impedir a publicação de reportagens terça-feira, quando a situação já estava resolvida. Aborrecido, ligou então para Rebelo e deu entrevista afirmando não haver privilégio nenhum para São Paulo. Serra tem evitado ataques mais diretos a Marta Suplicy e mesmo ao Ministério da Fazenda e Tesouro também porque precisará de auxílio para dar conta das obrigações da Prefeitura, não apenas do problema da dívida. Segundo tucanos, há pendências na liberação de emendas do orçamento da União e outras transferências. Oficialmente, José Serra nega qualquer tipo de acordo para "aliviar" as responsabilidades da antecessora. Há hoje uma disputa interna no partido e na equipe de Serra justamente sobre isso. Alguns tucanos ainda defendem que o prefeito denuncie a suposta ação política do governo federal. O próprio Lula disse, dia 23, que a capital seria tratada com carinho especial. "Todos nós temos de entender que Serra é presidente do PSDB, mas é também prefeito de São Paulo. Então, ele tem de ter relação institucional com o governo federal", afirmou o secretário-geral do PSDB, deputado Bismarck Maia (CE). "Assim é que devem ser as coisas, porque nós esperamos ser tratados como tratamos os prefeitos do PT no governo FHC."