Título: Além do choque de confiança
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2004, Economia, p. B2

Alguns analistas econômicos estão saudando o mergulho do índice de risco Brasil como prova de aumento da confiança na condução da economia brasileira. É claro que isso está correto. Mas o choque de confiança explica apenas parte do que acontece. O índice de risco Brasil é um número que oscila ao longo do dia, de acordo com o preço dos principais títulos do Brasil no exterior. É levantado pelo banco americano JP Morgan. Esse número reflete o retorno pago por uma cesta de títulos brasileiros no mercado internacional. O ponto de referência é o título de maior credibilidade do mundo, o T-Bond, do Tesouro dos Estados Unidos. Se o índice de risco Brasil está nos 388 pontos, como no fechamento de ontem, isso significa os títulos brasileiros pagam 3,88 pontos porcentuais acima do rendimento do T-Bond. Quanto menor o retorno exigido pelo investidor, maior a credibilidade do título brasileiro. O índice de risco Brasil atingiu os 2.440 pontos no dia 27 de setembro de 2002. Isso significa que, na época, o aplicador estrangeiro só incorporaria títulos brasileiros à sua carteira se o retorno fosse 24,40% ao ano acima dos juros do T-Bond. Foi o momento de menor credibilidade do Brasil, porque as pesquisas eleitorais apontavam Lula como o novo presidente e havia o medo de que, tão logo tomasse posse, pusesse em prática o calote da dívida, como ameaçavam documentos do PT. Nada disso ocorreu. Prevaleceu o compromisso assumido na Carta ao Povo Brasileiro, de honrar contratos e a administração da política econômica cumpriu as obrigações de responsabilidade fiscal. Mais do que isso, os resultados vão aparecendo: crescimento superior a 5% ao ano, superávit comercial (exportações menos importações), em 2004, de US$ 32 bilhões e queda da dívida pública em relação ao PIB, que reflete a capacidade de pagamento, de 63% no pior momento, para 52% agora. Este não é o único fator que está empurrando para baixo o índice de risco Brasil. Ele é resultado, também, da perda de confiança no dólar. Os investidores da Europa e da Ásia temem perder no câmbio (desvalorização do dólar diante das outras moedas fortes) mais do que ganhariam com juros nas aplicações em T-Bonds. Por isso, estão diminuindo suas posições em títulos americanos. Esse movimento está provocando uma alta do retorno (yield) dos títulos americanos. E isso, por si só, reduz a diferença entre o que estão pagando os T-Bonds e os títulos brasileiros. Além disso, os mesmos investidores que estão saindo dos títulos em dólares vêm arriscando mais nos títulos dos países emergentes. Esse aumento da procura, por sua vez, está aumentando o preço desses títulos e, portanto, reduzindo o retorno proporcionalmente ao volume aplicado. A conclusão é a de que o mergulho do índice de risco Brasil não é só mérito da condução da política econômica, mas também da deterioração das contas externas (e também orçamentárias) dos Estados Unidos. Outro efeito da mesma síndrome é o tombo do dólar no câmbio interno. Alguns observam que há uma importante entrada de capitais que, em princípio, vêm buscar os juros mais altos no mercado financeiro interno. Não há essa chuva de dólares sobre o Brasil. O que há é que os exportadores têm antecipado a liquidação de câmbio porque preferem refugiar-se em reais que podem ser aplicados e render juros altos. Fator igualmente importante, há menos dólares saindo agora do País do que saíam nessa época em outros anos, o que também é manifestação de confiança. Os críticos da política econômica insistem em que o Banco Central compre dólares para formar reservas e para impedir uma valorização do real que prejudique as exportações brasileiras. Tanto o Tesouro como o Banco Central têm comprado dólares. Mas isso não vai sendo suficiente para reverter a tendência de valorização do real. Boa parte desses mesmos críticos sugere que o governo imponha restrições à entrada de capitais, providência que a Colômbia acaba de fazer. Mas são providências contraditórias: se o Banco Central se dispõe a aumentar suas reservas, quer que os dólares entrem e não que sejam barrados à porteira.