Título: A serviço dos cidadãos
Autor: Alfonso Sánchez
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/01/2005, Espaço Aberto, p. A2

Desde que surgiram as primeiras publicações periódicas no século 17, as críticas à imprensa têm constituído uma constante em todos os países do mundo. Renaudot, fundador da primeira revista da História - La Gazzette -, contou com o apoio de Richelieu para elaborar esse semanário, que se tornou o órgão oficioso do governo francês. Mas, com a morte do cardeal, ele foi acusado de usurário e condenado a não mais exercer sua profissão.

Rapidamente as "gazetas" e os "mercúrios" se multiplicaram pela Europa, sobretudo na França, Alemanha, Holanda, Itália e Grã-Bretanha, antes de darem o salto para o continente americano. Apesar do êxito popular dessas publicações, logo surgiram as primeiras críticas. Ben Johnson, na sua comédia The Staple of News, assegurava em 1625 que os jornalistas, "com o fim de criar o sensacional, não recuam diante de nenhum embuste".

Outros escritores têm repetido essa mesma idéia por quase 400 anos. "A grande fragilidade do jornalismo como um quadro de nossa sociedade moderna - escreveu Chesterton em A Esfera e a Cruz - provém de ser uma pintura formada inteiramente por exceções." Proust explicava que ler toda manhã o Le Figaro lhe permitia "conhecer as desgraças e catástrofes do universo inteiro ocorridas durante as últimas 24 horas". E Claude Vignon, um dos personagens de Ilusões Perdidas, de Balzac, afirmava que "todo jornal é uma loja onde se vendem ao público palavras da cor que este deseja".

Nos últimos anos, além das críticas tradicionais, têm surgido algumas novas: orientação excessiva da imprensa para o entretenimento; maior capacidade de influência dos anunciantes; concentração, que pode silenciar a voz das minorias; deterioração da fronteira entre informação e entretenimento e entre os conteúdos editoriais e publicitários.

Outro aspecto permanente nas análises referentes à imprensa consiste em prever o seu ocaso - e até o seu desaparecimento - cada vez que surge um novo meio de comunicação. Assim aconteceu com o rádio, com a televisão e, mais recentemente, com os jornais gratuitos e com a internet. Nos próximos anos surgirão novos agourentos que vão diagnosticar a doença terminal da imprensa diante da possibilidade de receber informações nos telefones celulares.

Apesar dessas visões pessimistas, os grandes jornais de qualidade têm sabido reagir com acerto; têm-se adaptado às mudanças, ao mesmo tempo em que mantêm suas marcas de identidade; interpretam mais a atualidade, oferecem referências da História recente, explicam o que os leitores ouviram no rádio, viram na televisão e leram rapidamente na internet. Definitivamente, aprofundaram sua missão, que consiste em proporcionar aos leitores informações relevantes, úteis, interessantes e compreensíveis.

A imprensa cumpre uma função de coesão social: integra os cidadãos em suas comunidades, aumenta o interesse pelos problemas alheios, abre as mentes a novas perspectivas e acontecimentos distantes, facilita o contexto necessário para tornar mais compreensível o mundo em que vivemos.

Os jornais excelentes se propõem, ao mesmo tempo, a cumprir sua função pública e obter rentabilidade. Não vêem incompatibilidade entre esses dois objetivos, pois a solidez econômica permite fazer frente a pressões externas que poderiam deixar em segundo plano os interesses dos leitores e a orientação de servir aos cidadãos favorece o prestígio da marca e a fidelidade do público.

Obviamente, existem outras formas de competir e obter êxitos fulgurantes: a vulgaridade, o sensacionalismo, a mentira, as histórias sobre a vida particular das pessoas, as informações obtidas de modo ilícito ou não suficientemente confirmadas... Dificilmente, porém, consegue sustentar-se no tempo um projeto editorial baseado nesses conteúdos, porque são fáceis de ser imitados por outras publicações, desmotivam os profissionais e geram a desconfiança de leitores e anunciantes.

A imprensa de qualidade não se deixa deslumbrar pelo sucesso a curto prazo alcançado por rivais que atentam gravemente contra os padrões éticos e profissionais. A falta de rigor e honradez constitui uma aposta extraordinariamente arriscada, que cedo ou tarde é punida pelos leitores.

O sensacionalismo, definitivamente, pode ser o meio mais fácil - e, com freqüência, também o mais rápido - de entrar no mercado, mas em nenhum caso é o sistema mais seguro para sobreviver por muitos anos.

Em contrapartida, a imprensa de qualidade projeta a longo prazo. Os proprietários estão comprometidos com o futuro de suas publicações. Os diretores sabem que esse futuro requer a formação de equipes profissionais excelentes, compostas por jornalistas bem preparados e altamente motivados. O coração de um jornal está na sua redação, não se pode poupar nenhum esforço para assegurar que pulse no ritmo previsto. Esses cuidados incluem remuneração adequada, planos de formação e desenvolvimento profissional, informações suficientes sobre os planos da empresa, reconhecimento dos sucessos, tolerância com os erros e espaço para inovação.

Por trás de cada página, a imprensa de qualidade esconde muitas horas de trabalho, criatividade abundante e boas doses de talento, que um grupo de profissionais põe à disposição do público. Também há dúvidas, alguns equívocos e freqüentes discussões sobre como enfocar uma notícia ou quanto espaço deve ocupar, mas cada decisão é baseada no empenho em informar o público de forma honrada e veraz.

Os jornais excelentes - como O Estado de S. Paulo, que amanhã celebra seu 130.º aniversário - são difíceis de desbancar, porque sabem que para proteger seu território devem formar uma grande equipe profissional, fortalecer sua identidade, respeitar os padrões profissionais e impulsionar a inovação. E, acima de tudo, lembrar-se continuamente de que a principal razão de sua existência é servir a seus leitores.