Título: Desvios de R$ 50 mi na Assembléia do ES
Autor: Felipe Werneck
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/01/2005, Nacional, p. A6

VITÓRIA - Terezinha Maria Barros Takahashi sacou R$ 1,011 milhão na boca do caixa e continuou morando na Rua do Lixo, um beco estreito de terra batida, cercado pelo valão que separa os bairros de Itapoã e Divino Espírito Santo, em Vila Velha (ES). Ela confirma que descontou mais de 150 cheques no período em que trabalhou como funcionária do gabinete do ex-presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, José Carlos Gratz (1999-2002), preso desde 6 de dezembro. "Você acha que eu usaria sandália furada de tivesse um milhão de reais?", disse ela, apontando para a sola do calçado, ao receber o repórter do Estado em casa, na semana passada. Apreensiva e arisca à primeira vista, Terezinha, de 47 anos, cega do olho direito, foi convencida pela filha Hérycka a dar entrevista. "Não agüento mais essa tortura, o que o André fez com a nossa vida. Olha a minha casa, não tenho nada a esconder. Casa de milionário é assim? Nunca fiquei com um centavo disso aí." O André citado por ela é o economista André Luiz da Cruz Nogueira, diretor-geral da Assembléia na gestão Gratz. Pela primeira vez, ela diz que todo o dinheiro foi entregue a ele.

"Eu pedia R$ 50 para comprar remédio e o André dizia que eu era pidona. Na época eu ia ao banco para o patrão, nunca desconfiei de nada, era simplesmente uma funcionária. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Hoje eu posso dizer que o cabeça ali era o André. Ele agiu de má-fé comigo." Terezinha recebia R$ 320 como servidora do Legislativo. Nogueira passou o Natal atrás das grades, assim como a mulher, Renata Peixoto, e um de seus irmãos, César Augusto. A mãe de Nogueira, Ana Marízia, que tem 2 fazendas e 1 sítio em seu nome supostamente comprados com recursos desviados, cumpre prisão domiciliar.

Acusada de "atuar nos moldes das máfias italianas" e denunciada pelos Ministérios Públicos do Estado e Federal, a família foi parar na cadeia por decisão da Justiça. Coordenador do Grupo de Repressão ao Crime Organizado no Espírito Santo, o promotor de Justiça Marcelo Lemos diz que a fraude pode ultrapassar R$ 50 milhões.

Edson Viana, advogado de Nogueira, admite que a situação de seu cliente é "complexa" - há três mandados de prisão contra ele. "Existe uma fumaça, agora tem que se verificar se é fictícia ou se vem do fogo. Ainda não tive acesso aos autos e o que questiono é a necessidade de se manter toda a família presa. Isso é antecipação de pena, porque ninguém vai fugir. Eles têm um filho de 12 anos, que sofre de distrofia muscular e está sozinho." Um promotor disse não acreditar que a família tenha sido usada, sem saber das práticas.

QUADRILHA

A Receita já constatou o desvio de R$ 10.626.202,35 ao examinar os cheques sacados da conta 104/005.842.109, do Banestes, de titularidade da Assembléia. Com a quebra de sigilo fiscal e bancário, descobriu mais de cem supostos beneficiários, como Terezinha, dos quais pelo menos um terço teria participação ativa no esquema. Os cheques eram emitidos em favor de associações, federações, clubes, prefeituras, igrejas, sindicatos, fundos, entre outros, e desviados e depositados em contas de titularidade de terceiros, ou sacados. O Asilo Lar Santa Luzia, por exemplo, em nome do qual foi emitido cheque, assinado por Gratz e Nogueira, de R$ 5 mil em agosto de 99 para realização de uma festa, estava desativado havia um ano.

Aparecem nomes como a da irmã de Gratz, Sheila Gratz Lagares, suspeita de embolsar R$ 52,5 mil. O atual presidente da Câmara Municipal de Vitória, Ademar Rocha Lima, teria recebido, segundo o documento, um cheque de R$ 10 mil. Lima foi procurado pelo Estado, mas um assessor disse que ele estava em Nova Viçosa.

Segundo Lemos, o esquema funcionava assim: havia uma previsão de gastos - autorizados e assinados por Gratz e/ou Nogueira - com patrocínio de eventos. Mas o dinheiro ia parar em outras mãos. O principal esquema descoberto pela Receita foi o desvio de R$ 4,12 milhões para a Editora Lineart, dos irmãos de Nogueira.

Terezinha não citou o nome de Gratz nenhuma vez. Mas, para o juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, da 5.ª Vara Criminal de Vitória, "há indícios fortes de que ele (Gratz) estaria conivente com tudo isso".