Título: Mata atlântica: ainda sem perspectiva
Autor: Rosa Costa
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/01/2005, Vida &, p. A7

BRASÍLIA - Apesar de festejado pelo governo, o desempenho do Congresso em 2004 deixou a desejar com relação ao projeto de lei que trata da preservação, recuperação e uso sustentável da mata atlântica. A tramitação do texto se arrasta há quase 12 anos, mas sua votação no Senado, onde chegou em fevereiro, foi relegada a segundo plano e hoje é difícil prever quando essas normas entrarão em vigor. Enquanto isso, a situação dessa floresta é cada vez mais delicada, com a preservação de apenas pouco mais de 7% do que existia no País há 504 anos. Na época do Descobrimento, a mata atlântica cobria mais de 1,3 milhão de quilômetros quadrados em 17 Estados, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul.

No centro da discórdia está o artigo 46 do projeto aprovado pelos deputados, que assegura indenização aos proprietários de terra no local, "caso as vedações e limitações estabelecidas na lei afetarem a potencialidade econômica de imóveis rurais particulares, comprometendo o aproveitamento racional e adequado do imóvel". Ou seja, bastaria a suspeita de comprometimento da potencialidade da área para obrigar a União ou o Estado a bancarem eventuais prejuízos causados ao dono do terreno.

Tanto o governo como a oposição reconhecem que isso daria vez a indenizações milionárias, como a que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) examinou em 2001, a pedido da Fazenda Pública do Estado de São Paulo. A intenção no caso era reduzir de R$ 28 milhões para R$ 8 milhões, em valores de abril de 2000, a indenização pela desapropriação indireta da área de 937 hectares em terreno reservado ao Parque Estadual da Serra do Mar, em Bertioga.

Apesar de não restar dúvidas quanto ao alcance do dispositivo, o projeto foi aprovado na Câmara em dezembro de 2003, sob aplausos da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e de seus assessores. O "estrago" que o artigo poderia causar só foi percebido três meses depois de a proposta chegar ao Senado.

E desde então o texto, que chegou a ter um parecer favorável à sua aprovação da então relatora, senadora Roseana Sarney (PFL-MA), foi engavetado. O único fato novo, a partir daí, foi a troca da relatoria, entregue ao também pefelista César Borges (PFL-BA), que ainda não teve espaço para debater a proposta. Mas ele próprio reconheceu que o ideal é evitar o retorno do projeto à Câmara para que sua tramitação não se estenda mais ainda.

A ministra Marina e o líder do governo, Aloizio Mercadante (PT-SP), chegaram a anunciar que a aprovação do texto coincidiria com o Dia Nacional da Mata Atlântica, em 27 de maio, mas tudo não passou de boas intenções. Segundo Mercadante, antes de incluí-lo na pauta, é necessário fechar um acordo com a oposição para suprimir o artigo 46. Feito isso, o texto não precisaria ser votado novamente pelos deputados. "Esperamos retomar com o exame da votação em 2005", anunciou o líder. "As eleições municipais e a prioridade dada a outras matérias impediram a sua votação no prazo desejável."

O projeto não se aplica a toda a área de ocorrência original da mata atlântica, mas só sobre os remanescentes de vegetação nativa existente hoje, ou seja, 93 mil quilômetros quadrados, o que corresponde a 7,3% da sua cobertura original e a 1,1% do território brasileiro.