Título: OMC, União Européia e Alca. O Brasil quer avançar nas três frentes
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/01/2005, Economia, p. B1

A agenda de negociações comerciais do governo brasileiro traz, em 2005, três desafios pesados e a costura de uma série de acordos menores para garantir a ampliação do acesso dos produtos do Brasil e de seus sócios do Mercosul a mercados protegidos ou pouco explorados. A principal meta, de dar um impulso às negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), iniciada em 2001, será acompanhada pela retomada das discussões do acordo Mercosul-União Européia e pela difícil tarefa de relançar as conversas entre os 34 países da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Paralelamente a esses desafios, o Mercosul vai iniciar em 2005 as negociações de acordos de redução de tarifas de importação com o Egito e o Marrocos e de liberalização comercial com o Canadá. A partir de janeiro, ocorrerão conversas com a Índia e a União Aduaneira da África Austral (Sacu), bloco do qual faz parte a África do Sul.

A atenção dos negociadores, entretanto, estará voltada para as chamadas "três grandes negociações". Conforme ressaltou ao Estado o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, a Rodada Doha será trabalhada prioritariamente por sua capacidade de resolver de vez os entraves e as distorções provocadas pelos subsídios à exportação, o apoio aos agropecuaristas e as barreiras comerciais impostas principalmente pelas economias mais desenvolvidas. Apesar de o Itamaraty prever a conclusão dessa rodada para meados de 2006, Furlan está ciente que seus frutos serão coletados gradualmente e em longo prazo.

Para o ministro, em 2005, torna-se imprescindível ainda centrar fogo nas negociações entre o Mercosul e a União Européia - travadas desde agosto pela resistência dos europeus em apresentar oferta agrícola compatível com as propostas do bloco sul-americano. O acordo, mesmo com a presença temporária de cotas de importação de produtos agrícolas do Mercosul, seria uma espécie de "injeção na veia" nos setores exportadores do Mercosul, como diz o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues.

Segundo o embaixador Régis Arslanian, diretor-geral do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, não seria difícil arrematar as negociações com os europeus ainda 2005. Furlan concorda com a previsão. Mas experientes negociadores e analistas brasileiros não acreditam que a UE dará qualquer passo na área agrícola antes de resolver a questão na Rodada Doha.

"Faço até uma aposta: o acordo não vai andar antes de julho de 2006. Este será o ano da OMC, para o bem ou para o mal", afirmou o especialista Renato Flôres, da Fundação Getúlio Vargas. "As relações com o Mercosul e a América Latina estão na quarta posição da lista de prioridades do novo comissário europeu para o Comércio, que logo vai imprimir sua própria linha de trabalho", completou, em referência ao britânico Peter Mandelson.

No caso da Alca, as possibilidades são mais incertas. Ao contrário do processo entre Mercosul e UE, que foi só suspenso, a Alca foi interrompida em meados do ano por desacertos entre os 34 sócios. Em princípio, o representante de Comércio dos EUA, Robert Zoellick, estaria disposto a retomar as conversas. Enquanto o Brasil e os Estados Unidos - justamente os co-presidentes da etapa final de negociações - se digladiavam nos últimos dez meses, ambos os lados buscaram acordos comerciais com países do Hemisfério - o que pode facilitar o consenso sobre as regras regrais.

Para o Brasil e seus sócios do Mercosul, porém, o mais difícil será obter dos americanos o aval a regras que impeçam o comércio de produtos subsidiados entre os 34 países. Em uma segunda etapa, a da negociação direta sobre acesso a mercados entre Mercosul e Estados Unidos, o desafio será equivalente ao do processo com os europeus - conseguir oferta consistente antes de concluída a Rodada Doha.

Os ministros Amorim e Furlan, entretanto, põem fé na retomada da Alca. O co-presidente brasileiro da Alca, embaixador Adhemar Bahadian, reinicia as conversas com o colega americano, Peter Allgeier. A reunião deverá ocorrer na terceira semana de janeiro.