Título: Velhos brindes e novos traumas
Autor: Denise Madue¿o, Christiane Samarco e Leonêncio Nos
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2005, Nacional, p. A8

Orgulho brasileiro, item de exportação que cresce a cada ano, a apreciada cachaça continua a causar traumas no governo. De acordo com informação de petistas, o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) teria decidido enfrentar a candidatura oficial de Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) à presidência da Câmara porque, numa reunião com líderes partidários, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria feito comentários sobre supostos hábitos de Virgílio de beber uns tragos. Isso, teria dito o presidente Lula, desqualificaria o parlamentar mineiro para a sucessão de João Paulo Cunha (PT-SP). Curioso é que o comentário que tanto teria magoado Virgílio teria partido de Lula, justamente quem quis expulsar do País o jornalista Larry Rohter, por ter insinuado que o presidente é um amante da cachaça em uma reportagem publicada no ano passado pelo The New York Times. Rohter acabou perdoado depois da intervenção do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e teve seu visto de trabalho devolvido. Mas o episódio provocou muito desgaste para o governo Lula e ilações de que sua gestão era autoritária e antidemocrática. Políticos que bebem já entraram para a história. Dizem os historiadores que Abraham Lincoln e Winston Churchill eram paus-d'água. Boris Yeltsin, ex-presidente da Rússia, foi flagrado cambaleante. No Brasil, segundo Élio Gaspari (A ditadura derrotada, Companhia das Letras), o general Golbery do Couto dizia que, se tivessem prendido Jânio Quadros num banheiro até que o porre passasse, ele não teria renunciado. A cachaça é também tema recorrente em grandes obras da literatura brasileira. Em Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, o herói-jagunço Riobaldo sempre leva cachaça de Januária em seus embornais. Antes do almoço ou ao entardecer, quando não em guerra com os bandos de Ricardão e Hermógenes, toma umas e outras. Na música, há o divertidíssimo clássico sobre a cachaça com letra de Ochelsis Laureano e Raul Torres, no dialeto caipira. No começo se chamava Moda da pinga. Depois de cantada por Inezita Barroso, pegou de tal forma no gosto popular que passou a ser "A marvada pinga". Começa assim: "Co'a marvada pinga é que eu me atrapaio/Eu entro na venda e já dô meus taio/Pego no copo e dali num saio/Ali mesmo eu bebo, ali mesmo eu caio/Só pra carregá é queu dô trabaio, oi lá!"