Título: Farmácia caseira chega a comunidades isoladas
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2005, Vida &, p. A10

Pesquisadores, empresários e comunidades tradicionais do Amapá apostam na biodiversidade para alavancar a economia regional e cuidar da saúde da população nas comunidades isoladas. Com mais de 90% de seu território coberto por vegetação intocada, o Estado tem nos recursos genéticos da natureza e biológicos uma de suas principais riquezas. Enquanto cientistas e empresários pesquisam esses recursos no laboratório para entender seus segredos e transformá-los em produtos, representantes da comunidade utilizam escolas e farmácias populares para disseminar o conhecimento das ervas medicinais e remédios caseiros para quem não tem acesso a postos de saúde. No distrito de Carvão, a 55 quilômetros de Macapá, a medicina tradicional faz parte do currículo da Escola Família Agroextrativista (EFA), onde cerca de 200 alunos aprendem a praticar a agricultura orgânica e a explorar os recursos da floresta de forma sustentável. Os estudantes, de nove municípios, ficam na escola em período integral 15 dias por mês. Aprendem a trabalhar com os produtos da floresta e a preparar remédios caseiros. Depois levam o conhecimento para casa e, nos outros 15 dias, são incumbidos de repassar o que aprenderam a suas famílias e comunidades. "São alunos só de áreas rurais", diz a coordenadora pedagógica Anilda Maria Santana da Silva.

Solange Monteiro de Araújo, uma das alunas, de 19 anos, aprendeu a não usar mais o fogo para abrir a roça e aproveitar a sombra das árvores para plantar variedades como banana e cupuaçu. Também aprendeu técnicas para plantar culturas variadas em um mesmo espaço - milho, mandioca, melancia, abóbora e outros -, reduzindo a necessidade de desmatar novas áreas. Tudo isso ela levou para casa rio acima e ensinou à família. "Levamos o que aprendemos e também trazemos o que a gente sabe do campo", conta. Para a farmácia doméstica, ela aprendeu duas receitas de analgésico: chá de anador e chá de marupazinho.

A escola abriga uma das 21 unidades do projeto Farmácia da Terra, cujo principal objetivo é disseminar o conhecimento da medicina tradicional. As farmácias, apesar do nome, não vendem nada, apenas ensinam a preparar os remédios e a cultivar as plantas necessárias. Em alguns casos, já fornecem a matéria-prima e mudas. Os tratamentos são muitos. Para aliviar os sintomas da malária, chá de raiz de camapu. Para bronquite, xarope de semente de cumaru e para leishmaniose, pode-se tratar as feridas com folha de ninga. Quem quiser limpar a pele pode usar gordura de tartaruga.

"Vamos a lugares distantes, onde não há serviço público de saúde", diz a coordenadora Teresinha de Jesus Soares dos Santos, que é farmacêutica. O projeto é executado pelo Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa) e recebeu, em 2003, o Prêmio Tecnologia Social do Banco do Brasil.

Dentro de sua sede, o Iepa mantém uma pequena farmácia de fitoterápicos, pesquisados e produzidos em pequena escala no próprio instituto, a partir do conhecimento popular. Os medicamentos são vendidos a preço de custo, de R$ 3 a R$ 10. São 63 produtos, feitos à base de 36 plantas, para tratar desde acne até asma e diabete. Há um limite de compra de dois frascos de um remédio por pessoa, para evitar o surgimento de um mercado informal.

O instituto mantém uma pequena incubadora de empresas voltadas para o desenvolvimento de produtos naturais. "Nosso esforço tecnológico tem como base a biodiversidade", diz o diretor-presidente do Iepa, Antônio Carlos da Silva Farias. As pesquisas já deram origem a 63 produtos fitoterápicos, alguns à venda em supermercados. E a incubadora está sendo expandida para abrigar 25 empresas. "A idéia não é se tornar uma indústria", explica Farias. "O que fazemos é produzir conhecimento, passando-o à iniciativa privada, para que possa ser aproveitado."