Título: Eleitos tomam posse de dívidas, sucata e salas vazias
Autor: Ana Paula Scinocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2005, Nacional, p. A5

Inconformado com o estado precário em que encontrou as 15 máquinas da frota de serviços da cidade, o prefeito de Salto de Pirapora, no interior paulista, decidiu juntá-las em uma inédita exposição na praça da Matriz. "O povo precisa ver com os próprios olhos como está a situação da prefeitura", explicou Joel David Haddad, eleito pelo PDT. Em cada um dos equipamentos - retroescavadeiras, utilitários, tratores e máquinas de terraplenagem -, ele afixou um cartaz com a explicação: motores fundidos, falta de peças, tanques furados, faróis e freios inoperantes. A feira de inutilidades na pracinha de Salto é apenas um exemplo - há outros bem mais graves - do drama enfrentado, neste início de mandato, por centenas de prefeitos eleitos pelo Brasil afora. No interior do Sergipe, é tal o desmantelamento de serviços e instalações de Japoatã que o prefeito Arnaldo Ramalho (PPS) suspendeu todas as atividades da Prefeitura por dois meses.

Ramalho adere, assim, ao exemplo do prefeito de Cunha (SP), no Vale do Paraíba, que na terça-feira trancou todas as portas municipais por 15 dias. "Se for preciso, vou prorrogar esse prazo", advertiu. "Está tudo bagunçado. Até o teto da Prefeitura está desabando", contou o eleito na cidade vizinha de Cedro de São João, Marcos Santana (PTB).

Mais radical do que os dois foi Luciano Nascimento, eleito em Propriá, pelo PFL. Ele não só decretou emergência por 90 dias como pediu uma perícia completa, a ser feita pela Secretaria de Segurança de Sergipe, antes mesmo de entrar no prédio. "Concretamente, não temos como trabalhar", justificou Nascimento.

Sem recursos para absolutamente nada, muitos prefeitos já decidiram, para escapar de dívidas futuras, demitir servidores contratados sem concurso. Uma onda de cortes - mais de 800 desempregados, no total - varreu nos últimos três dias as cidades de Catanduva, Ilha Solteira e Fernandópolis, no interior de São Paulo. Só em Catanduva foram 400 pessoas, gente que atuava em frentes de trabalho em regime temporário, limpando ruas e terrenos baldios. Em Ilha Solteira foram mais 300, todos lotados em cargos de confiança, e outros 107 em Fernandópolis.

O prefeito tucano de Catanduva, Afonso Machione Neto, não sabe qual é seu problema mais urgente: inventar um jeito de pagar a segunda parcela do 13.º salário dos 2.900 funcionários, entregar as prometidas cestas básicas ou renegociar a dívida de R$ 30 milhões com os fornecedores, segundo ele deixada pelo ex-prefeito Felix Sahão (PT). Em Ilha Solteira, as 300 demissões, aprovadas já no domingo à noite, pela Câmara, representam 30% do quadro de servidores.

"A situação é humilhante", resume Eduardo Tadeu Pereira, o petista eleito em Várzea Paulista, que assumiu sem dinheiro nem para o café da manhã dos 100 trabalhadores braçais reunidos em um refeitório que ameaçava desabar.

FURTO

Cenas explícitas de furto de material e de dados foram constatadas em dezenas de cidades. Em Jarinu, perto de Campinas, o prefeito Vanderlei Jerez (PSDB) ainda não localizou nove veículos da pequena frota local e outros dez estavam sem motores ou outras peças. Computadores e mesas sumiram de várias secretarias. Só uma das sete ambulâncias da cidade consegue andar, devido a uma "vaquinha" feita pelos secretários.

A folha de salários de dezembro não foi paga. Muitos cheques desapareceram da Tesouraria, alguns já sacados em bancos da cidade. O mais curioso é o sumiço de um ônibus odontológico que foi comprado de uma empresa do Rio, com verba do Ministério da Saúde. Segundo Gerez, ele foi transferido para uma transportadora, levado para Cuiabá (MT) para manutenção e depois equipado na Bahia. O motor está fundido e o veículo não tem chassi registrado no Renavam.

Perto de Ribeirão Preto, também no interior paulista, o prefeito de Guatapará, Esdras Igino da Silva (PSDB), teve um motivo kafkiano para decretar calamidade pública: não conseguiu entrar no sistema de dados municipais. Ninguém conhecia a formatação dos computadores, não havia dados sobre o que há para receber ou pagar, não se localizou a folha de pagamento. "Não sei de nada", resume Igino, "nem quantos funcionários termos". O antecessor, Luís Carlos Stella (PFL), sequer compareceu para lhe transmitir o cargo.