Título: Lula diz que Brasil não é país de `coitadinhos¿
Autor: Denise Chrispim MarinLeonêncio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2005, Nacional, p. A6
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou o encontro de ontem entre o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, com 49 embaixadores brasileiros em postos no exterior para recomendar que mantenham "a cabeça erguida" e uma postura de "altivez, auto-estima e humildade" nos foros internacionais e negociações políticas e comerciais. O presidente advertiu, porém, que a altivez não deve ser acompanhada por arrogância. Segundo o chanceler, Lula afirmou que o Brasil deverá se manter "altivo", ao tratar com os países mais ricos, porém humilde, ao negociar com as economias menores.
No encontro, no Palácio do Planalto, Lula valeu-se do exemplo de sua "afinidade" com o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. "Eu e o Bush temos uma relação igual à do Fernando Henrique com o Clinton", afirmou. "O Bush nos respeita porque nós começamos a respeitar a nós mesmos."
De fato, Bush conseguiu se entender melhor com Lula do que com FHC. Antes de tomar posse, o atual presidente brasileiro embarcou para Washington para iniciar diálogo e aparar arestas criadas no período eleitoral no Brasil por seu próprio discurso. Em junho de 2003, Lula e Bush comandaram encontro, em Washington, em que surgiram iniciativas de cooperação. Desde então, mantiveram contato mais estreito, apesar das críticas de Lula à política externa americana.
CÚPULA
Lula mencionou a importância das relações com os Estados Unidos e a União Européia, envolvendo difíceis negociações comerciais. Mas não detalhou, em nenhum momento, a sua estratégia de aproximação com Washington. Preferiu, antes, destacar a política de aproximação do Brasil com as economias em desenvolvimento - a chamada estratégia Sul-Sul.
O rumo da política externa nos últimos dois anos de mandato de Lula, portanto, não deverá ser alterado. Conforme o próprio Amorim ressaltou, a atual agenda será cumprida. Neste ano, como destacou, o evento de maior "transcendência" será a reunião de cúpula de países árabes e sul-americanos, maio, em Brasília.
O encontro foi costurado durante a viagem de Lula a cinco países árabes, em dezembro de 2003, com a finalidade de estimular o comércio e atrair investimentos em infra-estrutura. Trata-se também de um dos principais veios da estratégia Sul-Sul. Os outros alvos estão na América Latina e na África.
De acordo com Amorim, a mensagem do presidente foi embasada em sua própria experiência como sindicalista e serviu como uma "injeção de otimismo e de ânimo" nos embaixadores . "Os interlocutores só respeitam os que respeitam a si próprios. Quem chega achando que não pode, que é coitadinho, que tem de pedir desculpas, que tem de se escusar de alguma coisa, esse não é respeitado", afirmou o chanceler.
O embaixador Clodoaldo Hugueney, subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Tecnológicos do Itamaraty, deixou o Palácio do Planalto impressionado. "Nunca tinha tido a oportunidade de ouvir, do próprio presidente, um depoimento sobre a política externa e a motivação dele de apresentar o Brasil no mundo como um país importante."
Mais tarde, no encontro reservado que manteve com os embaixadores, no Itamaraty, Amorim destacou que a ambição do Brasil de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança da ONU "não é obsessão, mas parte de uma política externa".
O chanceler salientou ainda que o Brasil não tem interesses hegemônicos na América Latina e seu interesse está na representatividade da região no Conselho. "O Brasil acha justo, muitos países concordam, mas não queremos, com isso, exercer nenhum papel de liderança autodeclarada."
DÍVIDAS
No mesmo encontro, Lula comprometeu-se a saldar, até setembro, as dívidas do Brasil com os organismos internacionais dos quais participa. A falta de pagamento de parcelas do passivo, que recai nas contas do Itamaraty, chegou a deixar o País na constrangedora situação de ser ameaçado de exclusão do processo de decisão de instituições multilaterais no fim de 2003.
A dívida do Brasil com os organismos internacionais alcança US$ 193,9 milhões. Desse total, somente com a Organização das Nações Unidas (ONU) o Brasil conta com um passivo de US$ 105 milhões. Neste ano, além do desembolso de US$ 27,1 milhões para o orçamento regular da organização, o País terá de remeter US$ 15 milhões para a cobertura de uma parcela dos gastos com as operações de paz da ONU e com os tribunais internacionais para julgar crimes contra a humanidade cometidos na Iugoslávia e em Ruanda.
O chanceler, no entanto, enfatizou que a decisão não foi motivada pela ambição do Brasil de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Mas pelo simples dever do País de cumprir com seus compromissos.
"Trata-se de um esforço pessoal do presidente para garantir que nós tenhamos uma posição digna com nossos credores e com os organismos internacionais", disse. "Temos de pagar porque devemos. É como cada um de nós faz quando tem dívida com um banco. A ONU vale tanto quanto um banco."
Segundo ele, o fato de os Estados Unidos - o maior contribuinte para o sistema da ONU - terem represado seus pagamentos durante anos a fio não pode ser usado como argumento para o atraso no desembolso de parcelas pelo governo brasileiro. Como lembrou, a iniciativa dos EUA tampouco se deveu a uma determinação de seu governo, mas a decisões do Senado.