Título: Médicos podem ter participado de tortura, acusa relatório
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2005, Internacional, p. A13

Médicos do Exército americano violaram a Convenção de Genebra ajudando funcionários de inteligência a fazer interrogatórios abusivos em centros de detenção militares, talvez participando de tortura, segundo relatório publicado ontem no New England Journal of Medicine. O artigo diz que os médicos ajudaram interrogadores a agir dentro das condições físicas e mentais de detentos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, e no centro de detenção de Guantánamo, em Cuba.

Segundo o relatório, médicos deram aos interrogadores acesso a fichas médicas de pacientes, e psiquiatras e outros médicos colaboraram com interrogadores e guardas que privaram detentos do sono, restringiram sua comida e água e os expuseram a extremos de calor e frio.

"Claramente, o pessoal médico que ajudou a desenvolver e executar métodos agressivos para quebrar a resistência de detentos violou as leis da guerra", afirma o artigo de quatro páginas, intitulado Perspectiva. "A conclusão de que médicos participaram de tortura é prematura, mas há indícios para se suspeitar disso", diz o relatório.

O texto é de autoria de M. Gregg Bloche, professor de direito da Universidade de Georgetown e professor-adjunto da Universidade Johns Hopkins, e do advogado londrino Jonathan H. Marks, estudioso de bioética no Centro de Direito da Universidade de Georgetown e na Johns Hopkins. O artigo baseia-se em entrevistas com mais de 20 militares e numa análise de documentos liberados para a União Americana das Liberdades Civis sob a Lei de Liberdade da Informação.

William Winkenwerder Jr., secretário-adjunto da Defesa para assuntos de saúde, afirmou quarta-feira que o relatório é impreciso e deturpa as ações de militares. "Não temos evidências de maus-tratos praticados por médicos, nem de médicos participando de tortura ou tormentos", disse Winkenwerder. "Simplesmente não temos evidências disso."

O relatório no jornal médico pretende tornar públicos fatos novos e pôr outros no contexto. Mas é significativo principalmente porque se soma a um coro de preocupações manifestadas por instituições médicas respeitadas, disse Arthur Caplan, diretor do Centro de Bioética da Universidade da Pensilvânia.

"O New England Journal of Medicine desempenha um papel único como referência moral para a profissão da saúde; quando ele aborda um assunto, sua opinião é importante", afirmou Caplan.