Título: 'Bird deve doar em vez de emprestar'
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2005, Economia, p. B5

Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, quer que o Banco Mundial (Bird) pare totalmente de dar empréstimos a países, e passe a conceder apenas doações (recursos a fundo perdido). Nesta sexta-feira, está prevista a apresentação do estudo em que Rogoff defende esta idéia, realizado junto com o economista Jeremy Bulow, na reunião da Associação Americana de Economia, na Philadelphia. Rogoff já fez essa proposta antes, mas o novo estudo traz argumentos adicionais, como o de que os lucros que o Banco Mundial alega ter nos empréstimos a países de renda média são fictícios. O trabalho também apresenta um roteiro para que a instituição multilateral encerre totalmente sua atividade de emprestar, parando tanto de conceder novos créditos quanto de captar recursos no mercado financeiro internacional.

Se aquela proposta sobre o Banco Mundial fosse aplicada, um dos países mais afetados seria o Brasil, já que é um dos grandes devedores da instituição, com débitos de US$ 8,7 bilhões. O Bird aportou volumes significativos de recursos nos diversos pacotes de ajuda liderados pelo Fundo Monetário Internacional para apoiar o Brasil nas crises externas desde 1998.

Para Rogoff e Bulow, entretanto, um dos principais problemas dos empréstimos que o banco concede - especialmente para países emergentes, como o Brasil - é que eles fazem com que "uma parcela amplamente desproporcional da ajuda vá para países de renda média, na forma de subsídios disfarçados às taxas de juro, e não para os mais pobres".

Eles acham que as doações a fundo perdido também poderiam ir para países emergentes, mas a maior parte deveria se destinar às nações mais pobres.

Mesmo em relação aos países emergentes, os economistas argumentam que os créditos do Banco Mundial tendem a ser prejudiciais. Eles acham que aqueles empréstimos induzem muitos países a se endividar excessivamente, provocando crises que levam a perdas maiores do que os benefícios derivados do crédito. A crise argentina é citada como exemplo.

"Em teoria, melhor acesso a crédito para financiar, digamos, projetos de infra-estrutura pública pode ser altamente benéfico; na prática, porém, o risco ampliado de crises de endividamento muito freqüentemente pesa mais do que qualquer ganho que os cidadãos comuns possam tem com os empréstimos", escrevem Rogoff e Bulow no trabalho.

Ao Estado, Rogoff observou que "nós combatemos a visão popular, certamente compartilhada pelo atual presidente do banco (James Wolfensohn), de que os empréstimos aos países de renda média são altamente lucrativos e subsidiam a ajuda e a assistência técnica aos países pobres". Recentemente, foi feito o anúncio que Wolfensohn vai deixar a presidência do Banco Mundial.

Os dois economistas notam que a sólida posição financeira no balanço do Bird só ocorre porque a instituição contabiliza os seus empréstimos a países pelo valor de face. Caso fossem considerados a valor de mercado, os ativos do banco sofreriam uma grande redução (50%, segundo análise recente do Congresso americano).

O Banco Mundial alega que seus créditos têm preferência de pagamento em relação às dívidas dos países com o setor privado, razão pela qual são contabilizados pelo valor de face. Rogoff lembra porém, que alguns testes sobre esta hipótese, feitos em 1992 por ele, Bulow e Afonso Bevilaqua ( diretor de Política Econômica do Banco Central brasileiro) mostram que talvez o risco do Bird seja igual aos dos credores privados em relação a calote de países.

Neste caso, levando em conta o valor de mercado dos empréstimos, a instituição estaria com patrimônio líquido negativo, e toda a sua solidez financeira estaria pendurada no direito que tem de chamar uma recapitalização pelos países ricos de até US$ 104 bilhões (a proposta de Rogoff transforma este direitos em "funding" de 20 anos para as doações).

O economista descarta o argumento de que, pelo fato de os calotes no Banco Mundial até hoje terem sido mínimos, o risco dos empréstimos também seja mínimo (e portanto, eles possam ser contabilizados pelo valor de face): "Lembrem-se de que o sistema federal de seguro de depósitos nos Estados Unidos também teve 'lucros' com os seus prêmios por mais de 50 anos, antes de incorrer numa perda de bem mais de US$ 100 bilhões (na crise das instituições de poupança e crédito imobiliário nos anos 80)".

0 atual diretor do Banco Mundial no Brasil, Vinod Thomas, diz concordar com o diagnóstico que Rogoff faz de alguns problemas da atividade de crédito da instituição, como o de já ter eventualmente contribuído para o endividamento excessivo de países. Mas Thomas acrescenta que acabar com atividade de emprestar seria o equivalente "a jogar o bebê fora junto com a água do banho".

Ele lembra que o "funding" das transferências a fundo perdido são países ricos, o que aumenta o risco de interferências políticas, quando comparado com o "funding" dos empréstimos, que são captações no mercado financeiro internacional - mais neutro e impessoal, segundo o diretor, que foi recentemente promovido a diretor global de Avaliação de Operações do Banco Mundial, e deve se mudar do Brasil para Washington em julho.