Título: Legislação corre risco de ser desmoralizada
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2005, Nacional, p. A6

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), tão badalada e elogiada desde sua criação, em 2000, corre sério risco de ser desmoralizada daqui para a frente, quando enfrentará seu primeiro grande teste: punir os ex-prefeitos que deixaram seus governos na semana passada sem recursos para o sucessor pagar as contas. "A lei tem de ser clara e a punição, implacável. Se não houver transparência e punição, a mensagem será a de que a lei não é para valer. Portanto, os atuais gestores já vão trabalhar com essa hipótese", adverte Eduardo Giannetti, economista e professor das Faculdades Ibmec. "Sem punição, os atuais prefeitos não se sentirão ameaçados e a lei acabará sem efeito", concorda o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas.

Para Giannetti, aliás, as primeiras indicações são preocupantes. Ele cita o número de denúncias contra os prefeitos que deixaram suas administrações em desordem. "É claro que é difícil fiscalizar todos os 5.562 municípios, até porque muitos nem prestam contas", admite o professor. Por outro lado, observa ele, 90% das prefeituras vivem dos repasses da União, via Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o que aumenta o controle do governo sobre os inadimplentes. "O governo tem armas poderosíssimas para o cumprimento da lei, porque 90% dos municípios vivem de mesada. Se o prefeito não paga, o governo deveria cessar imediatamente o repasse, mas não é o que estamos vendo", lamenta Giannetti.

Mais do que isso, o professor se diz alarmado com a atitude da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy (PT). "O que me assusta nesses casos é a falta de transparência. O cidadão paulistano não sabe o que aconteceu na transição da Prefeitura e o que foi feito com seu dinheiro", aponta o professor do Ibmec. "Conheço várias pessoas que prestaram serviços para a Prefeitura e não receberam", afirma. "Como é que a prefeita empenha gastos, realiza trabalhos, não paga e deixa dívidas pendentes para o sucessor pagar? No fim, Marta usou a mesma tática do (ex-prefeito Celso) Pitta, que deixou as contas para ela pagar."

Um pouco mais otimista, Velloso acha que tudo vai depender do comportamento da Justiça. "Não existe lei perfeita, à prova de contornos, mas é preciso ver como a Justiça julgará os casos de descumprimento da lei", pondera ele. É o caso, cita Velloso, do cancelamento de empenhos (autorização para pagamento de obras e serviços). "Imagina um prefeito que não conseguiu cumprir seus compromissos. Ele vai lá e cancela porque ninguém vai querer deixar o empenho em aberto para o sucessor sem ter o dinheiro correspondente", explica. "Imagino que prejudicados irão à Justiça e aí vamos saber se haverá punição ou não."

CONTRAPONTO

O economista Amir Khair, especialista em finanças públicas, não vê o menor risco de desmoralização da Lei Fiscal. E vai além. Com base em estudo realizado pela Secretaria do Tesouro Nacional em 3.515 dos 5.562 municípios do País, contesta as recentes afirmações de que a situação financeira dos municípios é crítica. Segundo ele, houve crescimento consistente da receita das cidades nos últimos dois anos e queda do passivo líquido.

"Os dados que vêm sendo usados para sustentar que a situação financeira dos municípios é crítica são de 2003. Não é o dado que interessa porque o ano de 2003 não é o de menor passivo", afirma.