Título: Juristas querem limites para CPIs
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2005, Nacional, p. A8

A batalha entre o PT e o PSDB no caso Banestado - remessa de US$ 30 bilhões para contas em paraísos fiscais - abriu caminho para uma sucessão de protestos e críticas à atuação das comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Juristas, procuradores, ministros dos tribunais superiores, promotores e advogados de renome pedem o fim de abusos e medidas que consideram "ranço de autoritarismo". Eles defendem imediatas alterações nos métodos das CPIs.

"A função principal da comissão é o aperfeiçoamento das leis, não apurar crimes e punir culpados", declara o criminalista Luís Guilherme Vieira, defensor de dois alvos de comissões - Chico Lopes, ex-presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique, e Waldomiro Diniz, ex-braço direito do ministro José Dirceu, da Casa Civil.

"CPI não é polícia, tampouco Judiciário", afirma Luís Vieira, que leciona Advocacia criminal perante as CPIs (pós-graduação), na Universidade Candido Mendes, no Rio. "A CPI é o braço mais importante do Legislativo e da sociedade, mas precisa encontrar seu rumo. Muitos abusos das CPIs contam com o beneplácito do Judiciário."

O criminalista sugere "tempo certo para a investigação, o que evita explorações, políticas ou não, para investigadores e investigados". Mas, segundo ele, as CPIs "não têm objeto definido, ou só é definido conforme o oportunismo político da ocasião, possibilitando a ação de parlamentares-show".

Deputados e senadores também admitem a necessidade de mudanças. O primeiro passo é limitar seu campo de atuação. "Não pode ter CPI toda hora ou sem enfoque específico", recomenda o deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ). "O resultado da CPI do Banestado não foi o melhor. Se tivéssemos concentrado nosso poder de fogo nos doleiros teríamos tido bons resultados. Os doleiros são a base de tudo."

SIGILO

Vice-presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Banestado, Maia sugere a abertura espontânea do sigilo daqueles que integram uma CPI. "Os parlamentares têm que dar o bom exemplo da transparência, demonstrando publicamente que não guardam nenhum tipo de interesse nessa ou naquela apuração."

O deputado enfatizou que é hora de repensar a questão das CPIs. Maia quer as comissões e seus integrantes submetidos a "uma regulamentação mais rígida". Para ele, "as CPIs têm de ser mais restritas para que não sejam utilizadas de forma indevida como já ocorreu em vários casos, principalmente em alguns Estados e municípios".

O vice lembra que "a função precípua da Câmara e do Senado é legislar, aprovar o orçamento e fiscalizar o governo federal". Maia alerta que as CPIs não devem ser foco de nenhum parlamentar: "Muitos acabam sendo profissionais de CPI, isso não pode acontecer, esse não é o papel de parlamentar."

A CPI do Banestado é a única da qual participou. "Espero não participar nunca mais de outra comissão."

Poderoso instrumento de investigação que dá aos deputados e senadores prerrogativas e autoridade conferidas aos magistrados, a CPI - regulada por uma lei de 1952 e fortalecida pela Constituição de 1988 - atravessa processo de desgaste que ganhou intensidade a partir do entrevero protagonizado pelo senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), presidente da comissão do Banestado, e pelo deputado José Mentor (PT-SP), relator.

Mentor e Paes de Barros apresentaram relatórios separados, que apontam conclusões diversas. O tucano pede enquadramento do atual presidente do BC, Henrique Meirelles, por sonegação fiscal e movimentação ilegal de divisas. O petista recomenda indiciamento de 91 pessoas, entre elas Gustavo Franco, que presidiu o BC na gestão Fernando Henrique.

"Eu acho que a CPI do Banestado apontou uma série de problemas e procedimentos que merecem ser revistos para que não caia na desmoralização", alerta o relator. "Um único parlamentar não pode impedir a investigação. O poder não pode ficar concentrado nas mãos do presidente."

O relator disse que vai propor alterações na metodologia e nos fundamentos da comissão: "Muitos aspectos têm de ser analisados."

A CPI também está sob o impacto de denúncias de suposta manipulação de informações confidenciais. Empresários teriam sido extorquidos para não terem seus nomes incluídos na lista de suspeitos em operações CC-5.

PIZZA

"A CPI do Banestado ficou numa briga entre o PT e o PSDB, ela se amesquinhou, ficou numa briga partidária", destaca o deputado Luís Antonio Medeiros (PL-SP), que presidiu uma comissão parlamentar que não acabou em pizza, a CPI da Pirataria - foram denunciados 60 empresários, policiais e contrabandistas, entre eles o chinês Law Kin Chong.

Medeiros teme o enfraquecimento das comissões. "Tem muita gente querendo acabar com CPI, um instrumento importante até politicamente, como foi o caso do ex-presidente Collor".

O promotor de Justiça João Antonio Garreta Prates, presidente da Associação Paulista do Ministério Público (APMP), disse que "é francamente favorável a qualquer tipo de investigação". Ele acredita que o caso Banestado "não enfraquece as comissões, que têm sido de importância fundamental, quase como uma conquista da democracia".

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, condena a "fogueira de vaidades" na CPI do Banestado. "É frustrante, reprovável."

"O número de CPIs deve ser restrito e as sessões devem ser secretas", prega o criminalista Celso Villardi. "Se o Legislativo quer investigar, que o faça seriamente, sem expor investigados. Concluída a apuração, que se dê a devida publicidade a atos comprovados e às medidas adotadas. As CPIs são um instrumento desvirtuado, operações espalhafatosas."

Villardi condena a quebra de sigilo por atacado. Ele defende o ex-prefeito Celso Pitta, que, acusado de desacato na CPI do Banestado, foi preso por ordem do senador Paes de Barros. O criminalista conseguiu o trancamento do caso na Justiça, com parecer favorável da Procuradoria da República. "A CPI foi desmoralizada pelo Judiciário."

O procurador regional da República em São Paulo Luiz Carlos dos Santos Gonçalves ressalta que os parlamentares de uma CPI têm os mesmos poderes que os juízes, mas só para fins de investigação. Os integrantes da CPI podem quebrar sigilo bancário, fiscal e telefônico diretamente, sem autorização judicial, mas não podem prender, nem fazer busca e apreensão ou bloquear bens. Também não podem responsabilizar um investigado, medida que cabe ao Ministério Público e ao Judiciário.

"A CPI pode quebrar sigilo, mas não pode divulgar a informação, que continua secreta", adverte Gonçalves, mestre e doutorando em Direito Constitucional pela PUC, autor do livro "CPIs, poderes de investigação". Ele observa que a comissão "não pode fazer divulgação indevida" porque estará praticando crime. "A CPI não pode confundir testemunha com investigado."

Gonçalves observa que, como o juiz, a CPI tem de fundamentar suas decisões. "A comissão também não pode destratar uma parte. A CPI é órgão do Legislativo. O presidente da comissão não pode fazer e acontecer. Todas as decisões têm de ser votadas pelos membros da comissão, o presidente não tem poder extraordinário. Ele pode quebrar sigilo? Pode. Mas tem de reunir a comissão."