Título: Brasil fez bem em não seguir exemplo do vizinho
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2005, Economia, p. B1

Quem acha que o calote foi um bom negócio para a Argentina deve pensar duas vezes. Se o Brasil tivesse seguido a receita da Argentina, de crise e calote da dívida, o País teria perdido R$ 1,37 trilhão desde 1999. Segundo os cálculos de Ricardo Amorim, chefe de pesquisas da América Latina do banco WestLB, caso o País tivesse o mesmo desempenho de crescimento da Argentina nos últimos 6 anos, o PIB de quase um ano inteiro teria se transformado em pó. Sua estimativa leva em consideração o crescimento do PIB dos dois países desde 1999 e a perda em dólares em cada ano somada para todo o período. "É enganoso achar que o calote foi uma boa solução para a Argentina e o Brasil deve imitar essa fórmula", diz Amorim. "A Argentina voltou a crescer, mas seu PIB de 2004 ainda ficou 4% abaixo do PIB de 1998. " Isso significa que, depois de 6 anos do início da crise e três anos após o calote, a Argentina ainda não se recuperou.

As comparações entre a economia argentina e brasileira voltaram às páginas dos jornais e dos relatórios financeiros nos últimos dias. Alguns bancos, entre eles o Citibank em Nova York, recomendaram investimentos na Argentina e disseram que o país é mais promissor que o Brasil. No entanto, para economistas, esse é um fenômeno meramente financeiro.

"Os investidores estão interessados na Argentina porque os papéis da dívida estão baratos", explica Amorim. Antes de 1999, os títulos argentinos eram vendidos por cerca de 90% do valor de face. Depois, caíram para 40% e depois do calote ficaram abaixo de 20%. Hoje, estão na faixa dos 30%.

"Muitos investidores estão comprando papéis argentinos porque acreditam que seu valor vai subir quando a reestruturação for concluída; é especulação", diz Mário Mesquita, economista-chefe do ABN Amro.

Isso não quer dizer que os empresários tenham recuperado a confiança na economia argentina. "Não há investimento produtivo entrando na Argentina, o dinheiro estrangeiro de longo prazo continua saindo", diz Amorim. No ano passado, enquanto o Brasil recebeu US$ 17 bilhões em investimento estrangeiro direto, a Argentina registrou saída de US$ 100 milhões.

Mesmo assim, não se pode negar que o calote da dívida desafogou a economia argentina. Depois que o país parou de pagar seus débitos, no fim de 2001, passou por um 2002 horribilis. A partir de 2003, porém, a economia voltou a crescer, o desemprego caiu e as exportações e importações se recuperaram.

"É como deixar de pagar seu cartão de crédito", compara Mesquita. "No primeiro instante é ótimo, sobra um monte de dinheiro para gastar em outras coisas."

Mas, daqui a pouco, o país não vai mais conseguir crescer porque vai bater no limite da capacidade de produção. Como não há investidores externos dispostos a manter seu capital na Argentina, não há recursos para expansão.

"Eu entendo que algumas pessoas pensem: a Rússia deu calote e está crescendo, a Argentina deu calote e está crescendo", diz Dráusio Giacomelli, estrategista de América Latina do JP Morgan. Mas, diz ele, a Rússia só está crescendo porque o calote foi na dívida interna e o país está "sentado em petróleo". Já a Argentina está só se recuperando.

Calote impune não existe, diz Mesquita. "Na Argentina, houve uma transferência de renda - confiscaram a poupança de milhares de aposentados italianos e investidores argentinos", diz. "No Brasil, se houver calote, milhares de brasileiros perderão suas economias, que estão em fundos que investem em títulos do governo."