Título: Lei de Falências exige juiz especialista
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2005, Economia, p. B3

O Judiciário precisa criar varas especializadas na aplicação da nova Lei de Falências para que ela renda o máximo de benefícios para a sociedade. Esse é um dos pontos da agenda após a aprovação da Lei de Falências, segundo o economista Aloísio Araújo, principal acadêmico envolvido nas negociações que deram à nova legislação o formato definitivo. Para Araújo, a preparação do Judiciário para aplicar a nova lei é fundamental, levando em consideração a sua complexidade e o fato de mudar totalmente o espírito que rege a atuação das diversas partes interessadas em situações de empresas com graves problemas financeiros. Mas o economista, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio, ressalva que é um erro achar que os problemas judiciais no Brasil ocorrem apenas por falhas do Judiciário. "Há leis muito ruins no Brasil, como era o caso da anterior de falências", ele diz.

Em entrevista ao Estado, Araújo - o economista atuando no Brasil com mais publicações nas revistas acadêmicas internacionais, ponderadas pela importância - sintetizou os pontos mais importantes da agenda que deve se seguir à recente aprovação da Lei de Falências no Congresso. Além disso, ele disse quais são, na sua interpretação, os principais avanços da lei, que entra em vigor quatro meses após a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

ESPECIALIZAÇÃO

Alguns Estados têm varas empresariais especializadas, como o Rio, onde há oito, que só cuidam de casos de empresas. São Paulo, o principal Estado em termos econômicos, não tem. Há juízes que em um dia estão cuidando de um caso de família e, no outro, de uma falência. É preciso ter varas especializadas, entre elas algumas só de falências. A necessidade de especialização fica mais importante porque a nova lei é mais complexa e o Judiciário vai ter um tempo relativamente curto para absorvê-la. Isso é imprescindível porque é muito difícil que todos os juízes entendam legislações cada vez mais complexas. Nos Estados Unidos, há um sistema federal de cortes de falência. O México já está nesse caminho.

PREPARAÇÃO

Em termos mais imediatos, o tempo é curto antes de a lei entrar em vigor e seria bom que juízes e outros membros do Judiciário participassem de cursos, palestras e debates para tomarem contato com as novas regras. Isso não está acontecendo com a intensidade desejada.

CULTURA JURÍDICA

A maior familiaridade do Judiciário com temas econômicos de forma geral ainda não foi totalmente desenvolvida no Brasil. O Judiciário muitas vezes tenta proteger o devedor baseado em princípio de Justiça que não está na lei e acaba prejudicando os novos tomadores de crédito, já que fatos desse tipo retraem os credores.

MOMENTO PROPÍCIO

É bom não esquecer que está havendo a reforma do Judiciário, uma reforma constitucional já aprovada em grande parte, que tem elementos básicos como a cláusula impeditiva e a súmula vinculante - dispositivo que proíbe um tribunal de julgar uma causa contra decisão anterior de um tribunal superior. Há também a iniciativa mais recente do governo de revisão do código de processos, com a qual se tenta desestimular o excessivo pedido de recursos e a simplificar as etapas. E, finalmente, existe a própria informatização do Judiciário em curso, que deve acelerar o andamento dos processos. Tudo isso cria um ambiente propício para que uma nova legislação complexa, como a Lei de Falências, entre em vigor.

OUTRAS LEIS

A Lei de Falências abre o espaço para o aprimoramento de leis específicas, como as de liquidação de empresas do sistema financeiro, de seguros e até da aviação civil, que têm legislações próprias.

NEGOCIAÇÕES

A Lei de Falências acabou sendo um avanço muito acima das expectativas, dada a dificuldade de se negociar com tantos grupos envolvidos, como o Poder Judiciário, os bancos, as empresas, a Receita Federal, o Legislativo, o Executivo, etc. Apesar disso, foi possível coordenar as discussões e produzir uma lei moderna, muito diferente do projeto original que estava na Câmara. É muito promissor que o País tenha passado uma lei com características tão modernas em um contexto tão difícil de negociação.

CRÉDITO

Há uma discussão econômica sobre se o desenvolvimento econômico leva ao aumento do crédito ou se o aumento do crédito provoca desenvolvimento. Mas fica cada vez mais claro que para ter um sistema de crédito forte é preciso ter um judiciário eficiente e um bom ambiente legal, e que esses são componentes importantes do desenvolvimento.

GARANTIA REAL

O fortalecimento da posição dos credores com garantia real em relação ao fisco, na nova Lei de Falências é um dos pontos mais importantes. Antes, aqueles credores (tipicamente bancos) sabiam que, em caso de falência, estariam no fim da fila do ressarcimento. Isso provocava nervosismo e fazia com que eles tentassem retirar seus créditos antes, complicando mais a situação das empresas.

SUCESSÃO

Eliminada a sucessão tributária e trabalhista - os dispositivos que faziam com que compradores de empresas ou ativos produtivos 'herdassem' dívidas fiscais e trabalhistas desconhecidas quando fecharam a transação -, fica mais fácil vender empresas e ativos, por acordo dos credores em processos de recuperação judicial ou extrajudicial. Assim, torna-se mais rápido liquidar as empresas sem condições de continuar funcionando ou preservar as que tenham passado por um choque de liquidez, mas que ainda sejam viáveis.

EXTRA-JUDICIAL

Uma das vantagens da lei, pela qual eu me empenhei particularmente, foi a figura da recuperação extrajudicial. Ela facilita a resolução de casos no qual os credores sejam apenas fornecedores e aqueles com garantia real e na qual os trabalhadores e o fisco não participam. Nesses casos, o acordo feito pelos credores que participam só precisa ser homologado pela Justiça, diferentemente do processo de recuperação judicial, mais lento e supervisionado pelo juiz em cada etapa. Nos casos em que for possível a recuperação extra-judicial, além da vantagem de não se sobrecarregar o Judiciário, as dificuldades financeiras da empresa não têm que vir à tona - um acordo rápido com os credores poupa a sua credibilidade. Hoje, já existe aquele tipo de acordo extrajudicial, mas seu uso poderá aumentar porque estará amparado pela nova Lei de Falências. Nos Estados Unidos, o grosso dos casos é extrajudicial .