Título: Reforma na Câmara. Só nos gabinetes
Autor: Iuri Pitta
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2005, Metrópole, p. C1

O ditado da bonança após a tempestade nunca foi tão verdadeiro na Câmara Municipal quanto neste ano. Depois de um início de legislatura que surpreendeu até os mais acostumados a acompanhar o Legislativo paulistano - com a eleição de um tucano, Roberto Tripoli, para derrotar o próprio PSDB na disputa pela presidência da Casa -, os corredores estão mais tranqüilos. Conversas sobre amenidades ou sobre a eleição da Mesa Diretora, feita no dia 1.º, só são interrompidas pelo barulho dos funcionários que estão reformando praticamente metade dos gabinetes. São os novos vereadores e até mesmo alguns que já estão no Palácio Anchieta ajeitando o espaço em que devem trabalhar nos próximos quatro anos.

Em 3 de outubro, os mais de 7 milhões de eleitores paulistanos trocaram nada menos do que 25 dos 55 vereadores, uma renovação superior a 40%. Não são só as bancadas que crescem ou diminuem logo depois da posse dos eleitos: os gabinetes também passam por transformações.

Uma divisória dá lugar a uma parede de alvenaria, a cor preferida do vereador que não foi eleito dá lugar a outro tom nas paredes da sala, móveis mudam de lugar.

Enquanto a secretária do vereador Jorge Tadeu Mudalen (PMDB) tenta falar ao telefone, o pedreiro Manoel Almeida Silva serra um bloco de pomex, material de alvenaria bem mais leve do que concreto. "Parece aquelas pedras de limpar o pé. Se deixar na rua, os camelôs pegam para vender por aí", diz Silva.

Brincadeiras à parte, o pedreiro segue serrando o bloco para levantar uma nova parede no gabinete, antes ocupado por Salim Curiati Júnior (sem partido). Adesivos do ex-vereador ainda estão pelas janelas da sala, no 11.º andar do Palácio Anchieta. "No fim de semana eu termino minha parte. Depois vem o pessoal pintar e fica tudo pronto para o vereador", diz o pedreiro.

TEMPO

Poucos vereadores passam todos os dias pelos seus gabinetes na Câmara. É como em uma reforma de casa: a família aproveita para viajar ou vai morar temporariamente em outro local. Quem prefere ficar se vira como dá.

"Ainda está complicado, por causa da reforma. Nem deu para receber direito o pessoal das federações (esportivas)", diz Aurélio Miguel (PL), um dos estreantes na Câmara e já escolhido para a 2.ª vice-presidência da Casa.

O judoca provavelmente foi o novato eleito em outubro que mais freqüentou sessões em 2004, para conhecer o funcionamento do Legislativo. "Tenho lido muito o regimento interno."

Para ajudar vereadores, o corpo técnico produz uma espécie de kit para os estreantes, com o regimento interno, a Lei Orgânica do Município (a Constituição da cidade) e um guia sobre a estrutura da Casa. São 51 páginas que mostram aos vereadores que, se quiserem, eles têm mais de 800 funcionários à disposição e todas as condições para trabalhar pela cidade.

"Nosso papel aqui é garantir que tudo funcione corretamente para os vereadores e proporcionar tudo o que eles possam precisar", explica o subsecretário de Recursos Humanos, Celso Gabriel, responsável pelo setor que produz o manual para os parlamentares.

A apostila traz explicações sobre como preencher requerimentos e ofícios, quais são as comissões existentes e como são divididas as sessões da Casa, entre outras. "O que as pessoas costumam chamar de burocracia, para nós é segurança administrativa. É o que garante o bom funcionamento da Câmara", diz Gabriel.

Antes do início do ano legislativo, que só começa em 1.º de fevereiro, parte dos quase 500 novos assessores e chefes de gabinetes dos vereadores estreantes poderão participar de cursos de redação legislativa. Vão aprender o português da Casa, isto é, os termos técnicos e jurídicos exigidos pela lei.

"Sempre damos atenção especial aos novos, principalmente no que diz respeito às comissões. É lá que os assessores desempenham mais cotidianamente suas funções", diz o secretário-geral parlamentar, Marcos Antonio Silva, que justamente por ter esse cargo é a pessoa mais consultada sobre o regimento. Na semana passada, 8 dos 25 novos vereadores o procuraram para obter informações.

"Tenho andado muito pela Casa nestes dias. Subi hoje (sexta-feira) no 11.º, no 12.º andar para conhecer o pessoal (técnico), saber até das dificuldades do prédio, como as infiltrações lá em cima", conta o vereador Juscelino Gadelha (PSDB).

Entre os novos, o gabinete do tucano é um dos mais adiantados, principalmente por causa dos móveis emprestados da ex-vereadora Tita Dias (PT) - Juscelino é sócio de longa data do marido da petista. Falta agora uma nova pintura na parede e dois símbolos que o vereador não dispensa nunca: um quadro de Lenin e o distintivo do Corinthians.