Título: Cautela no consumo freia inflação
Autor: Márcia de Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/01/2005, Economia, p. B1

A cautela do consumidor está freando o ímpeto de aumentar preços na indústria e no comércio nesta virada de ano. Pela primeira vez na história recente, ano novo não é sinônimo de preço novo para os supermercados, que têm a maior parte das vendas sustentadas pelos alimentos. "Vivemos hoje um começo de ano atípico no setor de alimentos industrializados", afirma o vice-presidente de Economia da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Martinho Paiva Moreira. Normalmente, com a virada da folhinha já começavam a chegar novas listas de preços com aumentos equivalentes à variação do Índice Geral de Preços (IGP) acumulada no ano anterior. Neste ano, porém, esse movimento não está ocorrendo de forma incisiva.

Martinho lembra que a euforia de consumo de alimentos por causa da redução do desemprego e a recuperação da renda ao longo de 2004 fez os supermercados ampliarem os estoques em dezembro. Na prática, porém, esse aumento significativo nas vendas não foi alcançado. "Dezembro foi bom, mas não espetacular."

Com isso, os supermercados começaram o ano com estoques maiores do que no início de 2003. Isso desarma qualquer estratégia da indústria para aumentar preços neste início de ano.

Já as indústrias de produtos de limpeza, setor onde a concentração de fabricantes é maior, começaram o ano com tabelas novas. Os reajustes giram em torno de 6% e se referem a aumentos de custos acumulados no ano passado, diz Martinho. Ele nota uma certa indecisão por parte de fabricantes, que apresentaram listas novas de preços, mas continuam vendendo pelas cotações do ano passado. "Preço novo só a partir do mês que vem."

No caso dos bens duráveis, que incluem eletrodomésticos e eletrônicos, os fabricantes viraram o ano sem dar trégua. Tentaram o ano passado inteiro aumentar preços, conseguiram reajustes parciais, e abriram 2005 com listas majoradas em cerca de 10%.

"Eles não perdem o hábito", diz o supervisor geral da Lojas Cem, Valdemir Colleone. Entre os motivos apontados para os reajustes estão o aumento de custos das matérias-primas, dissídios salariais e a alta dos combustíveis, que encareceu os fretes.

As siderúrgicas, por exemplo, abriram o ano com reajustes de 16% no preço do aço para este mês. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Usiminas, duas gigantes do setor, não confirmam nem negam os aumentos. Limitam-se a informar que não comentam a política de preços.

De acordo com um fabricante de eletrodomésticos, as pressões de custo neste início de ano estão concentradas no aço e no latão, cujo preço deverá ser majorado em até 5% este mês. Já os plásticos, que junto com o aço foram os vilões de custos em 2004, deram uma trégua este mês devido à estabilidade do dólar e ao recuo da cotação do petróleo.

Apesar desse refresco, fabricantes de eletrodomésticos programam reajustes de 6% a 12% este mês. É consenso na indústria que não há condição de continuar absorvendo aumentos de custos incorridos no ano anterior. "É uma necessidade geral de todas as indústrias e uma questão de sobrevivência", diz um fabricante.

Enquanto isso, o comércio continua batendo duro nos fabricantes que querem reajustar preços. A Lojas Cem, por exemplo, que iniciou o mês com estoques para 90 dias, ante 60 dias em janeiro de 2004, informa que existe uma queda-de-braço entre indústria e comércio.

Colleone lembra que, além dos estoques, o hábito do varejo de realizar grandes promoções no início do ano reduz o ímpeto da indústria de aumentar preços. Também é exatamente nesta época do ano que os gastos do consumidor se ampliam com despesas extras como licenciamento de veículos e matrículas escolares.

O coordenador do Índice Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-Fipe), Paulo Picchetti, estima que a inflação deste mês deverá ficar em 0,60%, influenciada principalmente pelos gastos extras típicos desta época do ano. "Mas em fevereiro a inflação será muito menor", ressalva Picchetti.