Título: Empresas criam logística própria
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/01/2005, Economia, p. B3

Enquanto o governo se desdobra para encontrar alternativas que reduzam os gargalos da infra-estrutura de transporte do Brasil, as empresas privadas, especialmente as grandes exportadoras, arregaçam as mangas e criam suas próprias soluções. Com dificuldades para escoar a produção, elas investem em ferrovias, compra de locomotivas e vagões, construção de terminais e armazéns, além de melhorias nos portos. "Essa é uma tendência forte entre as companhias cujo transporte tem peso significativo no valor do produto", observa o professor do Centro de Logística da Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Paulo Fleury. Segundo ele, a falta de capacidade do País para atender as necessidades do setor privado acabou levando as empresas a investirem em infra-estrutura. "É quase uma defesa para garantir o acesso ao transporte", diz.

Nos últimos anos, houve um descompasso entre o rápido crescimento do comércio exterior e a falta de planejamento e investimento na infra-estrutura. Problema que se agravou com a retomada da economia. Segundo dados da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), de 75 mil quilômetros (km) da malha rodoviária do País, 74,7% estão em estado deficiente, ruim ou péssimo, o que reduz a velocidade média dos caminhões em 40%.

Além disso, a extensão ferroviária, desde 1970, não ultrapassa os 30 mil km enquanto o transporte de carga, que era de 50 milhões de toneladas ao ano, já atinge cerca de 300 milhões de toneladas. Diante da paralisia, as empresas resolveram adotar medidas que melhorem a competitividade de seus produtos.

A Votorantim Celulose e Papel (VCP), por exemplo, investiu, juntamente com a concessionária MRS, R$ 30 milhões na restauração de 24 km de linha ferroviária entre Jacareí e Mogi da Cruzes, no Estado de São Paulo, e na construção de armazéns. O gerente-geral de Logística da VCP, Roberto Vidal, explica que o projeto surgiu da expansão da fábrica de Jacareí, que elevaria o volume de exportação da empresa e o fluxo de caminhões rumo ao Porto de Santos.

"Com o investimento, conseguimos reduzir nossos custos em 25%. Além disso, quebramos o paradigma de que o transporte ferroviário não é vantajoso para distâncias inferiores a 400 km." Os planos de investimentos na área de infra-estrutura não devem parar por aí. A empresa estuda também a possibilidade de transportar madeira para a produção de papel e celulose por meio ferroviário. Mas o projeto é mais complexo, pois exige acordos com quatro concessionárias para trazer a matéria-prima do Rio Grande do Sul até Jacareí.

Outra que investiu cerca de US$ 2 milhões em ferrovias e armazéns foi a empresa química Basf, em Guaratinguetá, no interior de São Paulo. A companhia construiu um ramal ferroviário para ligar o complexo químico ao Porto de Santos e retirou da rodovia Presidente Dutra cerca de seis mil caminhões por ano. Segundo a empresa, a estrutura também está disponível para outras companhias, como a Monsanto.

PARCERIAS

Um exemplo do uso de várias modalidades de transportes é o Grupo Caramuru, que atua no agronegócio. Os investimentos em infra-estrutura começaram já na década de 90, com a expansão das fábricas de processamento de soja e milho. Primeiro vieram os armazéns e, depois, as parcerias com empresas transportadoras.

Hoje, a maioria da produção do Centro-Oeste é transportada via hidrovia até Anhembi ou Pederneiras, no interior de São Paulo, onde a companhia investiu em terminais de transbordo para retirar o produto das barcaças e colocar em vagões. De trem, as mercadorias seguem até o Porto de Santos rumo aos mercados no exterior.

A processadora de grãos também investiu em terminais portuários em parcerias com outras companhias, como a Ferronorte e a Citrosuco. Além disso, injetou R$ 33 milhões na compra de 10 locomotivas e 300 vagões, que serão operados pela Ferronorte. O montante investido é abatido do valor do frete. "Nosso foco de negócio não é logística. Mas somos obrigados a investir por questão de sobrevivência, para sermos mais competitivos", diz o sócio da Caramuru, Cesar Borges.

Nos últimos anos - e, em especial, durante o ano passado -, as parcerias entre exportadoras e concessionárias de ferrovia se intensificaram. As empresas entram com a compra de vagões e locomotivas e as companhias ferroviárias reduzem o valor do frete. Além do custo de transporte ser menor, elas têm a garantia de colocar seus produtos no Porto.

Em outubro do ano passado, a Bunge Alimentos assinou com a América Latina Logística (ALL) um dos maiores contratos do País. Durante 23 anos, a concessionária fará o transporte de granéis agrícolas para a Bunge. Entre 2005 e 2010 serão transportados cerca de 50 milhões de toneladas, e mais 220 milhões de toneladas no período de 2010 a 2027. Segundo o acordo, cerca de 3,9 mil vagões serão disponibilizados pela Bunge e as locomotivas, pela ALL.

A americana ADM, processadora de soja e milho, que faturou US$ 2,13 bilhões em 2004, também aderiu a esse movimento e firmou em dezembro um contrato com a Brasil Ferrovias. A empresa já investiu US$ 10 milhões, financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na compra de 140 vagões.