Título: Grupos radicais reconhecem vitória de Abbas e querem negociar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/01/2005, Internacional, p. A11

Depois de confirmada a confortável vitória nas urnas da eleição de domingo, o recém-eleito presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas (também conhecido como Abu Mazen), recebeu a "mão estendida" dos grupos radicais Hamas e Jihad Islâmica, assim como mensagens mundiais para retomar as paralisadas negociações de paz com Israel. Dando sinais de que está disposto a aceitar os desafios que se apresentarão já nos próximos dias, o sucessor de Yasser Arafat, morto em novembro, disse ontem que os palestinos estão "prontos para a paz com Israel". "Estendemos a mão a nossos vizinhos", disse, em seu primeiro discurso como presidente eleito. "Estamos prontos para a paz, a paz baseada na justiça. Esperamos que a resposta (de Israel) seja positiva."

O triunfo de Abbas - com 62,3% dos votos, segundo números finais da Comissão Central Eleitoral - recebeu o aval das centenas de observadores internacionais que acompanharam a votação, entre eles o ex-presidente americano Jimmy Carter, e suas primeiras declarações em tom conciliatório foram saudadas por quase todos os líderes mundiais - como o presidente americano, George W. Bush, o francês Jacques Chirac e o secretário-geral da ONU, Kofi Annan.

O médico e ativista de direitos civis Mustafá Barguti obteve 19,8% dos votos. Em terceiro lugar, ficou o candidato da Frente Democrática de Libertação da Palestina (FDLP), Taysir Khaled, com 3,5%.

Em Washington, Bush disse-se disposto a "trabalhar com Abbas" na implementação do plano de paz mapa da estrada e já o convidou para visitar a Casa Branca.

Abbas também recebeu cumprimentos do ex-presidente americano Bill Clinton, que, no passado, acusou Arafat de ter "perdido a oportunidade" de alcançar a paz nas negociações de Camp David de 2000. "Acho que certamente será capaz de conduzir seu povo à paz", disse.

Do lado israelense, o primeiro-ministro Ariel Sharon, que não escondia sua preferência pela vitória de Abbas, disse que o novo líder palestino será testado nos próximos dias, "de acordo com sua capacidade de desmantelar a infra-estrutura dos grupos terroristas". "Os palestinos seguem sem lutar contra o terror e as declarações de Abbas durante a campanha eleitoral não nos dão muitas esperanças", continuou Sharon, em alusão ao fato de Abbas ter-se referido a Israel como "inimigo sionista". "Mas vamos esperar para julgar suas ações depois da eleição."

Os grupos radicais Hamas e Jihad Islâmica disseram ontem que estão dispostos a negociar com Abbas, de 69 anos. O anúncio foi feito pelo porta-voz do Hamas, Sami Abu Zuhri, e Mohammed al-Hindi, da Jihad Islâmica, a jornalistas em Gaza. Abu Zuhri disse que "o Hamas respeita a decisão do povo palestino e negociará com o novo presidente eleito, Mahmud Abbas". "Apesar de termos boicotado a eleição e apesar de elas não representarem todos os palestinos, respeitamos a escolha e negociaremos com qualquer presidente eleito", prometeu.

Al-Hindi se manifestou nos mesmos termos do seu colega do Hamas. "A Jihad Islâmica está disposta a se reunir com ele (Abbas) para retomar o diálogo e discutir todos os assuntos internos e o futuro do povo palestino", disse.

Os grupos armados palestinos se abstiveram de participar da eleição - e tentaram sabotá-la com ataques e manifestações. Apesar das declarações de apoio a Abbas, nenhum dos dois grupos, porém, se comprometeu a frear a campanha de atentados contra Israel.

Em Ramallah, o máximo representante para a Política Externa e a Segurança Comum da União Européia (UE), Javier Solana, reuniu-se ontem mesmo com o novo governante palestino. "Dei os parabéns aos palestinos neste momento histórico", disse Solana, acrescentando que "os palestinos podem contar com os europeus".

Nos campos de refugiados de Amã, na Jordânia, no entanto, palestinos que lutam pelo direito de retornar às propriedades de onde foram expulsos após 1948, se mostraram pessimistas quanto à disposição de Abbas de defender sua causa. "Abbas há muito se rendeu aos americanos e israelenses, e vendeu a eles os nossos direitos", disse Abu Haitaham al-Izzah, de 75 anos, um dos refugiados do campo de Baqaa.