Título: Sem advogado capaz não se faz Justiça
Autor: José Carlos G. Xavier de Aquino
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/01/2005, Espaço Aberto, p. A2

Enfim, veio a reforma do Judiciário, trazendo em seu bojo coisas boas e ruins. Entre outras modificações, criaram-se o famigerado Conselho Nacional de Justiça, a chamada "quarentena" e a súmula vinculante. Há, porém, pontos significativos de que a reforma não cogita.

Assim, é máxima da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que Justiça só se faz com advogado, com o que concordamos. Todavia, com uma ressalva: bons e experientes causídicos, daí por que chamamos a atenção das pessoas incumbidas de levar a efeito a antefalada reforma, no sentido de voltarem sua ótica também para a classe dos advogados, a fim de que o projeto não fique capenga.

É verdade que nos últimos anos a OAB, entidade de classe reputada de serviço público por seu estatuto (artigo 44, caput), com muito acerto vem sendo mais rigorosa no exame para que o bacharel possa exercer a profissão, pelo menos na subseção bandeirante, tanto assim que menos de 10% dos inscritos no recentíssimo exame para a legalização da profissão lograram êxito na empreitada. Mas, com todas as vênias, deveria ir mais além, restringindo a atividade do profissional aprovado, criando um mecanismo que impeça as distorções a seguir discorridas. O certo é que o candidato, atualmente, conseguindo passar, de pronto se torna um profissional na acepção integral do termo, posto que pode advogar, sem limites, da esfera administrativa até o mais alto grau de jurisdição, quando então ministros das Cortes Superiores do País são obrigados a examinar trabalhos e ouvir, pelo prazo regimental, sustentações orais de advogados neófitos e, por via de conseqüência, inexperientes, que, por vezes, postulam em pretório heresias e absurdos jurídicos, sem nenhum propósito. Tampouco conhecem, conforme lhes cumpriria, as Leis de Organização Judiciária e os Regimentos Internos dos Tribunais, razão por que direcionam recursos para tribunais incompetentes ou pretendem efetuar sustentações orais, expedientes comumente utilizados pelos advogados em processos em que isso não se permite.

Esses pecadilhos, com renovada vênia, retardam a prestação jurisdicional, pois impossibilitam o julgamento de mais causas no mesmo espaço de tempo. Não raro, o interregno que um juiz, seja de primeira ou segunda instância, perde para analisar uma ação ou recurso sem fundamento é o mesmo (ou até mais) que levará para estudar um trabalho bem elaborado, pois sempre procurará aquilo que pode ser aproveitado na insurgência, a fim de bem aplicar o direito no caso concreto e dar a cada uma das partes o que é seu, com igualdade.

É chegada a hora, portanto, de os legisladores olharem também para esse lado do actio trium personarum. Sabemos que esse problema dos bacharéis de Direito repousa, infelizmente, na má qualidade do ensino universitário, pois, não raro, a diretoria das faculdades se contenta em contratar professores com titulação (mestrado, doutorado e, pasmem, livre-docência), mas sem nenhuma experiência profissional. É como alguém se submeter a uma intervenção cirúrgica realizada por um médico que nunca operou.

Nos EUA, na Itália e em muitos outros países, por exemplo, a habilitação dos profissionais para o exercício do mister de advogado se dá por etapas, quando então o bacharel que lograr sucesso no primeiro exame poderá trabalhar apenas na instância inicial. Depois de certo lapso temporal (de cinco a dez anos), presta um novo exame que o habilita a trabalhar junto aos tribunais estaduais e, posteriormente, já experiente, se submete ao derradeiro exame que lhe possibilita peticionar junto aos tribunais superiores.

No país peninsular acima aludido apenas depois de formado é que o bacharel em Direito se inscreve na Ordem para, sob supervisão desta, realizar prática forense por pelo menos um ano. Ao cabo deste, sendo aprovado, poderá patrocinar causas que não ultrapassem a quantia de 50 milhões de liras, ou seja, o equivalente a 25.822,84 euros. Ressalte-se que a duração dessa habilitação é de sete anos e um dia. Posteriormente, submete-se a novo exame. Preocupada com o problema que ora se expõe, a Argentina também tem projeto rigoroso para o exercício da profissão de advogado.

Poder-se-ia dizer que esse fenômeno também se daria com os iniciantes magistrados e os membros do Ministério Público. A par de os concursos públicos para o ingresso na carreira, como é cediço, serem rigorosíssimos (nos últimos concursos para a magistratura bandeirante, os examinadores têm tido dificuldade para preencher as vagas, tendo em vista o baixo nível dos inscritos), muito embora, às vezes, o recrutamento se dê com candidatos que fazem uso do abominável processo de "decoreba", exteriorizado em testes de memorização fornecidos pelos cursos preparatórios especializados, é bem de ver que os segundos, isto é, os promotores, não decidem e os primeiros, ou seja, os juízes, têm a possibilidade de ver seu édito submetido, por meio dos recursos, ao conhecimento da segunda instância, que, se for o caso, modificará o decisum. Destarte, o mesmo não ocorre com o advogado, pois, se o equívoco for dele, em razão da inércia da jurisdição, como diria o poeta, "Inês é morta". No entanto, o que ocorre alhures, não acontece aqui.

Nesse passo, forçoso é convir que o acolhimento desse procedimento entre nós não só contribuiria para a celeridade processual, tão almejada nos dias que correm, como também valorizaria a profissão dos advogados.